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Crítica | Virgínia e Adelaide

Os primórdios da psicanálise no Brasil.

por Roberto Honorato
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A abordagem de Virgínia e Adelaide lembra mais a estrutura de uma peça teatral, com a limitação espacial, o foco maior em monólogos e diálogos ou a interpretação mais acentuada do elenco. Essa proposta combina com a premissa do filme, muitas vezes didática e crítica, funcionando tanto como um ensaio sobre movimentos políticos e sociais da década de 1930 quanto drama sobre duas figuras importantes da nossa história. Mesmo que o longa nos alerte de início sobre os elementos ficcionais da obra, ele faz um ótimo trabalho em situar o espectador, principalmente sobre a personalidade das protagonistas e a ambientação geral.

Em 1937 acontece o encontro entre duas figuras importantes para a popularização da psicanálise no Brasil, a primeira deles sendo Virgínia Bicudo (Gabriela Correa), interessada em aprofundar suas pesquisas se submetendo à terapia por um período de cinco anos. Para isso, visita a casa de Adelaide Koch (Sophie Charlotte), uma psicanalista alemã renomada que se refugiou no Brasil por conta do regime nazista em seu país. Relutante de início, Adelaide aceita realizar as sessões, e assim começa a jornada pelo subconsciente da paciente, explorando os desafios da mulher na sociedade, principalmente uma mulher preta como Virgínia. Juntas conseguem acabar com muitas barreiras e preconceitos que as pessoas tinham com a terapia.

Pelo seu formato mais voltado para uma linguagem teatral, algumas limitações podem parecer estranhas de início, como o uso de apenas duas atrizes para compor todo o elenco, preenchendo lacunas de tempo e espaço com o uso de fundo verde para alguns cenários ou imagens de arquivo que servem para contextualizar melhor o que está em debate. Esse não chega a ser um problema, porém a abordagem didática chega a martelar algumas ideias que estavam claras de início, mas o filme não parece confiar no espectador para conectar os pontos, como os paralelos feitos entre o período do Estado Novo decretado por Getúlio Vargas no Brasil e a ascensão do regime nazista na Alemanha. São propostas interessantes que reforçam ainda mais as questões de racismo e o antissemitismo que as personagens acabam sofrendo, ainda que não seja um paralelismo tão perfeito assim, algo que o próprio filme reconhece através de uma fala de Virgínia: “a opressão que você vive agora, os pretos viveram por mais de quatrocentos anos”. 

O filme sabe aproveitar bem o que tem, mesmo com as limitações que mencionei, muito disso por conta da ótima atuação da dupla. De início o sotaque “caricato” de Charlotte pode distrair, mas isso logo se torna algo relevante por conta da sua atuação e o ótimo texto de Jorge Furtado, com ótimas sacadas de alívio cômico em uma narrativa mais emocionalmente carregada. Ainda que dê atenção igual para as duas personagens, Gabriela Correa assume um papel mais ativo na obra, embora seja a paciente naquele cenário, já que precisa estabelecer seu passado ao mesmo tempo que não parece completamente confortável para se abrir durante as sessões.

Destacar apenas duas personagens faz com que o estudo de personagem seja de longe a parte mais interessante da obra, o que deixa os segmentos didáticos e de contextualização exterior às personagens algo mais complementar e sem o mesmo peso dramático. É ótimo assistir o bate e volta das conversas entre a dupla, os malabarismos argumentativos e a relação que vai se formando entre as duas, algo que fica ainda mais envolvente considerando a barreira linguística entre elas e a dificuldade de Virgínia em se abrir completamente para a experiência. O filme encontra uma pérola nas interpretações de duas ótimas atrizes, ainda que dependa delas até demais.

Virgínia e Adelaide – Brasil, 2024
Direção: Jorge Furtado, Yasmin Thayná
Roteiro: Jorge Furtado
Elenco: Sophie Charlotte, Gabriela Correa
Duração: 96 min.

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