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Crítica | Tudo Que Imaginamos Como Luz

Uma luta de mulheres.

por Luiz Santiago
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Depois de chamar atenção com seu primeiro longa-metragem, Uma Noite Sem Saber Nada (2021), a cineasta indiana Payal Kapadia cria em Tudo Que Imaginamos Como Luz (2024) uma trama que também fala de questões intimistas, igualmente relacionadas ao amor e à relação entre duas pessoas, só que inteiramente ancorada na realidade, sem cercar as personagens com imagens oníricas, memórias e fantasias. Neste seu segundo longa, a vida é apresentada para o espectador do macro para o microcosmo, expondo na tela uma visão geral da cidade de Mumbai e as muitas linhas de trabalho de homens e mulheres, numa luta diária para conseguir viver bem em uma cidade tão populosa e com tão pouco acesso a coisas necessárias da vida. 

Essa figura externa, socialmente crítica e já esperada nesse tipo de produção (a generalização estética e temática sempre aparecem nesses filmes com “cara de festival”) passa rápido pelas lentes da diretora, que logo foca na jornada das duas mulheres que guiarão o restante da fita, as enfermeiras Prabha (Kani Kusruti) e Anu (Divya Prabha). Do momento em que elas aparecem, fica evidente que a cineasta está querendo fazer uma radiografia do cotidiano e das muitas relações que essas personagens possuem com os homens e com elas mesmas, interferindo em situações, aconselhando ou ajudando pessoas, sentindo ou sofrendo os impactos de sua sociedade. Por terem personalidades e sonhos diferentes, um certo conflito se estabelece entre elas, mas a amizade e o carinho mútuo superam as posições moralistas e acabam servindo de instrumentos de ajuda para ambas.

Tudo Que Imaginamos Como Luz é um filme majoritariamente noturno. A direção nos faz acompanhar os momentos de submissão e constrangimento das mulheres às ações masculinas em cenários com luzes neon, com muitas sombras e caráter melancólico, mostrando todos os personagens cansados de suas jornadas de trabalho e insatisfeitos com suas vidas. Os dilemas pessoais, que vão da falta de moradia ao abandono conjugal, passando por casamento arranjado e questões de dignidade humana, ganham pequenos momentos de enfrentamento, com a direção sempre destacando os rostos femininos e a colocação da mulher como personagem histórica ativa diante de uma sociedade repleta de regras profundamente machistas que elas precisam ignorar ou enfrentar. A luta, no filme, é também uma tentativa de escolher o melhor caminho de ação, na melhor hora, num momento certo de luz-e-sombra, no evento que faria tudo mudar.

O ato final do filme, quando a libertação, enfim, deveria assumir o protagonismo da narrativa, a diretora se estabelece em meias-palavras, numa composição e sequenciamento de cenas que confundem a ordem narrativa e deixam o espectador pensando na veracidade ou mentira daquilo que está se passando na tela. É um jogo perigoso de percepção, que é compensado com o passo adiante da protagonista, a definição de um limite e a escolha por romper com o grilhão pessoal que a prendia. A abordagem poética e, novamente, noturna, guia o espectador até a saída definitiva desse ambiente, agora não mais num cenário urbano, mas em uma pequena cidade litorânea. O contato mais longo com a natureza, a diminuição do barulho, do número de pessoas, e a forma como as relações se reestabelecem ali, trazendo muitas surpresas, indicam um futuro positivo para todos. Como se a “luz do fim do túnel” passasse da imaginação para a realidade, e então guiasse cada um para uma nova Era em suas vidas.    

Tudo Que Imaginamos Como Luz (All We Imagine as Light) — França, Índia, Holanda, Luxemburgo, 2024
Direção: Payal Kapadia
Roteiro: Payal Kapadia
Elenco: Kani Kusruti, Divya Prabha, Chhaya Kadam, Hridhu Haroon, Azees Nedumangad
Duração: 115 min.

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