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Crítica | Agora Você É Um Homem

Abordagem excessivamente caótica e cômica sabota este esboço de um filme mais profundo.

por César Barzine
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Agora Você é um Homem poderia soar quase como uma paródia de A Primeira Noite de um Homem se caso o primeiro não tivesse sido lançado um ano antes do segundo. Mas Coppola, com muito humor e balbúrdia, já nos antecipa tudo: o amadurecimento no começo da vida adulta, o entorno paterno, a iniciação, os dilemas e os desejos amorosos. Ambos os filmes são coming of age de jovens homens adultos, portanto, a grande marca no roteiro de cada um é o desnorteamento dos protagonistas em meio a esse processo de iniciações. Contudo, aquilo que é crise existencial séria na obra de Nichols, vira um besteirol na de Coppola.

O filme tinha tudo para também ser sério, mesmo com traços cômicos; afinal, toca num conjunto de questões subjetivas comuns e foca numa fase de desenvolvimento da vida. Mas acontece que essas questões subjetivas nem sequer soam subjetivas. Peter é pressionado pelos pais a viver sozinho e ser mais autônomo, além de estar apaixonado por uma atriz enquanto outra garota é quem gosta dele. O tratamento de Coppola para tudo isso é completamente desmiolado, sem seriedade alguma e beirando o tosco. Existe, em um primeiro plano, um falso estudo de personagem que não abre margem para o aprofundamento de nada. A partir disso, temos uma comédia, pura e simples, que não encontra o seu tom adequado, tornando o filme inconsistente e desgovernado.

Uma das maiores contribuições para isso é a construção dos personagens. Bernard é uma figura caricata, o que se dá pela sua postura estranha e desengonçada — ele claramente não é das pessoas mais ajustadas socialmente. Isso possui um lado cômico e curioso meio atraente, o que vem acompanhado de um outro lado que carrega uma sensação de exagero graças ao excesso de anormalidade. Porém, isso nem de longe chega a ser tão incômodo quanto a presença de seus pais. O patriarca da família não transparece papel algum de figura paterna, além de sofrer de falta de coesão. É um personagem nulo e aleatório. Mas o grande problema mesmo está na mãe, que é absurdamente cartunesca. Ao assumir o papel de mamãe coruja e ciumenta, Geraldine Page — que, sabe-se lá como, foi indicada ao Oscar — comprou um pacote de trejeitos que mistura sentimentalismo com histrionismo e que causa uma enorme vergonha alheia.

Por outro lado, o que salva o filme é as personagens jovens femininas. Há um triângulo amoroso aqui: a meiga Amy gosta de Bernard, que gosta de Bernarda. Amy é um doce de pessoa e a personagem que maior desperta simpatia do público; primeiro, por ser um doce de pessoa e, segundo, pelo amor não correspondido pelo tolo Bernard. Este, como um jovem pouco experiente, é um grande deslumbrado. Essa característica arranca variadas reações no espectador: de identificação à aversão, de empatia a mais vergonha alheia. É um homem que olha para Bernarda com voyeur, que a deseja, mas nem sabe o que fazer com ela. 

E aqui temos a profundidade do personagem negligenciada até então: ele imerge no estádio estético, entrega seu coração à presença feminina, espiritualiza o seu desejo. No entanto, pouco conquista e nada desenvolve. Ele tem a jovialidade necessária para querer e ir atrás, porém carece da maturidade para se consolidar e expandir. É um garoto diante de uma mulher, acima de tudo. Bernarda lida com ele de uma maneira que se revela ambígua. Ela o acolhe, dá os primeiros passos, entretanto, nada é finalizado. Eles estão na cama em contexto próximo ao sexo, mas depois ela diz que quer dormir. Ela o chama para se mudar para sua casa, e depois o expulsa. A atriz brinca com ele paralelamente ao fato que o tem com estima. 

Barbara não tem bem a marca de uma mulher ácida, tipo uma femme fatale. Ela chama a atenção por sua versatilidade; é charmosa e sensual, porém também é doce e juvenil, tal como Amy. Ambas possuem uma caracterização sessentista, com roupas e penteados típicos da época. As personagens dão frescor e ternura à obra, tornando-a mais suave. Algo necessário para um trabalho tão prejudicado por situações e performances perto do nonsense. O humor foi pessimamente trabalhado em seu uso burlesco cheio de movimentações e caricaturas. O núcleo familiar é um horror, ele lança as bases do coming of age e o reduz a uma baboseira de personagens antipáticos que não correspondem ao restante da obra.

A figura do jovem deslumbrado tentado por um universo mais adulto se associa um pouco com O Ato Final, já o retrato brincalhão com triângulo amoroso nos remete a O Fabuloso Mundo de Billy Liar. O segundo filme de Coppola é uma pequena anarquia muito mais a cara da vigente Nouvelle Vague do que da Nova Hollywood que ainda viria a nascer. A esfera do drama (a temática do amadurecimento) é, para o bem e para o mal, dominada pela comédia. Dentro dela, existe espaço para o romance, o que acaba redirecionando o filme para o drama — onde, em forma de síntese, ele se encontra.

Agora Você É Um Homem (You’re a Big Boy Now) — EUA, 1966
Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: Francis Ford Coppola (roteiro), David Benedictus (romance)
Elenco: Elizabeth Hartman, Geraldine Page, Peter Kastner, Rip Torn, Michael Dunn, Tony Bill, Julie Harris, Karen Black
Duração: 96 minutos.

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