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Crítica | Eu Vi Três Luzes Negras

Conversas com o além.

por Luiz Santiago
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Os mistérios e a relação de alguns indivíduos com a morte constituem a linha narrativa que costura Eu Vi Três Luzes Negras (2024), acompanhando os passos de José de los Santos (Jesús María Mina, numa performance tocante e profundamente verdadeira) na costa do Pacífico colombiano, procurando preparar o terreno espiritual para sua passagem e tentando curar algumas feridas em sua função de preparador de moribundos e corpos mortos para o Reino Sem Retorno, função que ocupa desde a morte de seu pai, há muitos anos. Cercando esse aspecto de realismo mágico e sincretismo, o filme de Santiago Lozano Álvarez desce aos infernos humanos da exploração do trabalho, da dignidade e da terra, um contraste dramático que eleva, por conceito, as duas vertentes do filme. 

A câmera não ignora a floresta, o rio, o barro, a chuva. A natureza aqui é representada como uma voz e uma figura que tem poder de ação sobre o destino dos homens, abrigando os espíritos dos mortos, escondendo fugitivos dos grupos armados e fornecendo remédios e sustento para aqueles que a respeitam. Não se trata apenas de um corpo natural posto como “personagem diferente” do filme. Mas da força motriz visível, material e desafiadora que tem seus segredos e bênçãos muito bem guardados para qualquer um que não queira abusar daquilo que lhe é oferecido. O protagonista, por sua vez, é alguém que vaga pela floresta, escolhendo o lugar de sua morte para cumprir uma profecia, colocando em xeque aquilo que lhe foi ensinado pelos ancestrais, enfrentando o toque de recolher e a ganância dos garimpeiros ilegais.

A luta de gangues nos vilarejos ocultos pelas árvores não aparece de forma explícita, disposta a chocar. A direção até tenta esconder a ação violenta ao máximo, interessando-se mais por suas causas e seus resultados. Ela é parte importante da jornada de José de los Santos, mas seu caráter torpe não suplanta o misticismo, a realização histórica e o cumprimento de uma missão pessoal e familiar. O filho do protagonista, assassinado por guerrilheiros, teve o enterro impedido. José, um celebrador dos rituais de morte (já viram Terra Deu, Terra Come?), não consegue criar o caminho da luz para o filho, algo que lhe trará imensa angústia. Ao mesmo tempo, ele tem um papel importante na região, e precisa chegar ao “lugar certo” para poder encontrar-se com as almas que o esperam na floresta, situação que a direção constrói de maneira quase etérea, alternando entre o mundo dos vivos e dos mortos (ou criando uma fusão entre eles) capaz de arrepiar o espectador.    

A morte é uma figura banal neste ambiente. A beleza do espaço verde abriga também o sangue derramado e os corpos em decomposição, muitas vezes mortos por quase nada. A verdadeira luta pela terra e pela vida é fixada como parte de um ímpeto que despreza ações individuais. Por isso é que José está, o tempo inteiro, dialogando com novas possibilidades e tentando trazer alguma consciência de existência para as pessoas que o ouvem, mesmo sem fazer discursos políticos escancarados e chateantes. Para o personagem, a vida não precisa ser do jeito que é, e a morte não representa um fim, mas uma estrada para novos encontros.

Eu Vi Três Luzes Negras nos encanta por sua beleza estética (a fotografia de Juan Velásquez é um verdadeiro espetáculo); pela sua força narrativa — com a questão da terra, do trabalho e das almas em evidência –, e pela mensagem humanista, mística e crítica aos arranjos sociais. É uma obra que nos faz refletir sobre a fragilidade da vida e a importância de encontrarmos a paz em meio ao caos, condenando os abusos, unindo forças para gritar contra os exploradores e nunca se esquecendo que, individualmente, somos apenas um elo numa realidade múltipla, cujas forças físicas e imateriais jamais podem ser ignoradas.

Eu Vi Três Luzes Negras (Yo Vi Tres Luces Negras) — Colômbia, México, França, Alemanha, 2024
Direção: Santiago Lozano Álvarez
Roteiro: Santiago Lozano Álvarez, Fernando del Razo
Elenco: Jesús María Mina, Julián Ramirez, Carol Hurtado, John Alex Castillo
Duração: 87 min.

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