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Crítica | O Aprendiz (2024)

Nasce um tirano.

por Fernando Campos
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Os Estados Unidos têm uma forte inclinação por histórias de azarões. A figura do self-made man, que vence as adversidades com seu esforço, é celebrada como um símbolo do sucesso capitalista e do liberalismo econômico. O cinema de Hollywood explora essa narrativa há décadas, seja em filmes de máfia ou de esportes. Consciente dessa tradição, o diretor Ali Abbasi estrutura O Aprendiz como uma história de ascensão — mas aqui, essa ascensão carrega uma crítica poderosa ao próprio sistema que a celebra.

A obra narra o início da carreira imobiliária de Donald Trump (Sebastian Stan), impulsionada por sua relação com o advogado Roy Cohn (Jeremy Strong). Enquanto Trump aprende os meandros do poder com seu mentor, ele também busca conquistar Ivana (Maria Bakalova), por quem está apaixonado. No entanto, mais do que um relato biográfico, o filme é uma reflexão sobre o que essa ascensão de Trump revela sobre o sistema político e econômico dos Estados Unidos.

Abbasi é claro em traçar paralelos entre a trajetória de Trump e a política americana. Utilizando vídeos de arquivo de discursos presidenciais, intercalados com cenas da vida de Trump, o diretor constrói uma narrativa que reflete o avanço do país. A fotografia também reforça essa conexão, com a escolha de películas que refletem cada época: o granulado dos anos 70 dá lugar a uma imagem mais limpa nos anos 80, emulando a transição do analógico para o digital. Esse detalhe não apenas situa o espectador temporalmente, mas também dialoga com o próprio progresso da nação.

Na sequência final, o filme sublinha seu ponto de vista com um comentário mordaz: o escritor contratado por Trump para escrever sua biografia diz que suas ideias “parecem a política externa dos EUA nos últimos 30 anos”. Trump, como retratado no filme, construiu seu império com manobras fiscais questionáveis e uma postura predatória no mercado. Da mesma forma, o filme sugere que os Estados Unidos moldam o mercado global a seu favor, impondo sanções e ignorando regras internacionais quando lhes convém.

Trump, no filme, é retratado como alguém que se tornou um tirano muito antes de assumir qualquer cargo público. De um jovem subestimado, ele se transforma no símbolo do capitalismo desenfreado, acumulando riqueza às custas de outros, sem escrúpulos. O filme ressalta essa transformação através de um design de produção opulento e figurinos extravagantes, enquanto os cenários frequentemente banhados em tons dourados reforçam a obsessão do personagem pelo dinheiro.

A atuação de Sebastian Stan é crucial para dar nuance a essa transformação. Ele traz uma certa humanidade ao jovem Trump, especialmente em suas relações pessoais, como a com seu irmão e sua namorada. Mas, à medida que o filme avança, essa faceta mais humana dá lugar a um comportamento quase sociopata. Trump, que começa expressando amor por Ivana, mais tarde faz comentários cruéis sobre seu corpo, e trata o fracasso de seu irmão com total indiferença.

Roy Cohn, por sua vez, é o mentor do monstro. Jeremy Strong interpreta Cohn com uma agressividade e ambição nítidas, mas o filme faz questão de mostrar que, por mais implacável que fosse, ele ainda tinha lealdade a seus amigos. Trump, por outro lado, supera seu mestre ao abandonar qualquer senso de decência, até mesmo recusando pagar a diária de Cohn em um de seus hotéis. Aqui, O Aprendiz sugere que o capitalismo selvagem da geração de Cohn foi transformado em algo ainda mais extremo nas mãos de figuras como Trump.

Abbasi não se contenta em apresentar a obra apenas como uma biografia. O filme é uma análise incisiva do pensamento da extrema-direita, encapsulado em um personagem que personifica o extremismo em todas as suas formas. Trump, como o filme sugere, é o produto final de um sistema que celebra a ambição desmedida e a destruição como métodos de ascensão.

O Aprendiz (The Apprentice) – EUA, Reino Unido, Dinamarca, Canadá, Irlanda e Suécia, 2024
Direção: Ali Abbasi
Roteiro: Gabriel Sherman
Elenco: Sebastian Stan, Jeremy Strong, Maria Bakalova, Emily Mitchell, Martin Donovan, Mark Rendall, Catherine McNally, Charlie Carrick, Stuart Hughes, Patch Darragh
Duração: 123 min

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