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Crítica | A Quem Eu Pertenço?

Mistério no norte da Tunísia.

por Ritter Fan
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Longa de estreia da tunisiana radicada em Montreal Meryam Joobeur que parece estender os conceitos que ela mesmo introduziu em seu curta Ikhwène (Brotherhood), de 2018, A Quem Eu Pertenço? explora a dor da perda de entes queridos para a guerra, particularmente para a entidade terrorista ISIS, mas sem seguir caminhos tradicionais ou esperado pelo espectador. Muito ao contrário, o longa é um interessante exercício que manipula gêneros cinematográficos, começando como um drama pesado sobre o tema em questão, que ocupa seus dois primeiros e bem claramente divididos capítulos, para, então, partir para uma abordagem corajosa de filme de horror que se assemelha muito à “virada” nessa direção que o celebrado longa sul-coreano Parasita fez com muita eficiência em 2019.

Quando o filme começa, os filhos mais velhos de Aïcha (Salha Nasraoui), uma mulher capaz de visões, deixam a família da noite para o dia, com o mais novo, Adam (Rayene Mechergui), ainda muito jovem, ficando para trás sem realmente saber o que aconteceu. A dor é imensa, indescritível Nasraoui esmera-se em um trabalho de interpretação que faz o coração rachar, especialmente na medida em que o tempo passa, a ausência dos filhos se normaliza para todos menos para ela, que envelhece a olhos vistos, sustentando-se no trabalho duro diário em um fazenda de carneiros no norte da Itália, cuidando de seu filho e do marido Brahim (Mohamed Grayaâ) e recebendo visitas de Bilal (Adam Bessa), filho de seu primeiro marido, que é policial. É como se o tempo passasse para todos menos para ela, pelo menos não psicologicamente, com Joobeur trabalhando com toda a calma do mundo a construção desse cantinho de mundo desolado, mas fantasmagoricamente belo.

No entanto, em determinado ponto, Mehdi (Malek Mechergui), um dos filhos fugidos, retorna trazendo uma silenciosa esposa grávida que, apesar de não ser muçulmana segundo ele, usa um niqab roxo (aquela vestimenta que só deixa os olhos aparecendo) e anunciando que seu irmão morrera. Escondidos pela família, o casal vive no anexo do casebre em um cotidiano cada vez mais estranho enquanto que, ao mesmo tempo, fazendeiros vizinhos começam a desaparecer. Se uma coisa tem relação com a outra e se essa possível ligação será satisfatoriamente estabelecida não são perguntas que eu responderei em uma crítica sem spoilers, mas é importante que o espectador tenha consciência de que não se trata de um longa direto ou didático.

Na verdade, o lado em tese sobrenatural é introduzido pela matriarca e suas visões e sua capacidade amplamente conhecida por ali de ler borra de café no fundo da xícara, pelo que na largada o filme já dá todas as indicações de que não trilhará um caminho reto e sem graça. A diretora faz também questão de lidar com a espiritualidade da fita com sequências oníricas muito bonitas e coloridas que contrastam com a aridez do local, inserindo a presença fantasmagórica da esposa grávida de maneira muito inteligente e eficiente como um filme autoral de horror da mais alta qualidade que exibe uma direção de fotografia exemplar.

Meryan Joobeur faz de seu longa de estreia uma obra que transita exemplar e elegantemente entre gêneros, mantendo o espectador constantemente engajado e fazendo o máximo para não se entregar a respostas fáceis ou didatismos. A Quem Eu Pertenço?    não existe para explicar nada em detalhes, mas sim para surpreender com um assunto assustador desses ganhando um tratamento diferenciado e cativante. O que será que a cineasta está planejando como seu segundo filme, pois já espero com ansiedade.

A Quem Eu Pertenço? (Mé el Aïn – Tunísia/França/Canadá/Noruega/Catar/Arábia Saudita, 2024)
Direção: Meryam Joobeur
Roteiro: Meryam Joobeur
Elenco: Salha Nasraoui, Mohamed Hassine Grayaa, Malek Mechergui, Adam Bessa, Dea Liane, Rayen Mechergui, Chaker Mechergui
Duração: 120 min.

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