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Crítica | Paris Está em Chamas? (1966)

Uma ode vazia à Cidade das Luzes.

por Gabriel Zupiroli
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Os primeiros quarenta minutos de Paris Está em Chamas? fundamentam-se sobre uma mixórdia tonal. Ao passo que acompanhamos a chegada do general Dietrich von Choltitz a Paris, para servir como novo comandante de uma cidade às vias do colapso, em 1944, somos aos poucos também apresentados a distintos membros da Resistência Francesa e suas formas organizacionais, assim como alguns de seus personagens que, ao longo da narrativa, podem retornar ou não. Neste entremeio, há um constante movimento de vaivém entre gêneros: o retrato cômico de Hitler e do generalato alemão, o desenho heroico e conspiratório dos membros da resistência, a melancolia daqueles que lidam constantemente com o desaparecimento de seus membros queridos. É nessa alternância indecisa entre as distintas abordagens que o filme se constrói, tornando o retrato da retomada de Paris, na verdade, uma esvaziada ode à cidade.

Com direção do francês René Clément, trata-se de um filme de guerra que procura esboçar um panorama das ações de retomada da capital das luzes. Assim, a obra constantemente trabalha com personagens reais, ficcionalizando as situações e trazendo abordagens próximas aos detalhes do conflito. Nesse sentido, algo que se torna evidente à primeira vista é: não há uma centralidade de personagens, de forma que o filme constantemente transita entre aquele núcleo coletivo que compõe seu interior. Tanto entre os membros da resistência, quanto entre os alemães, ainda que certos rostos sejam recorrentes e predominem na importância das tomadas de decisões, a própria maneira como Clément decide filmar Paris Está em Chamas? reflete esta característica. A montagem do filme está o tempo todo transitando entre os distintos núcleos, realizando uma espécie de giro cênico que procura abarcar um todo, mas que na verdade é apenas reflexo do personagem que assume um espectro central na obra: a cidade de Paris.

A pluralidade de nomes no elenco apenas reforça esse aspecto. Jean-Paul Belmondo, Charles Boyer, Jean-Pierre Cassel, Alain Delon, Kirk Douglas, Yves Montand, Anthony Perkins e Orson Welles são os nomes que dão vida aos distintos personagens, de forma a reforçar a sensação de que na profusão de grandes atores, perde-se o vínculo que se pode estabelecer entre eles, tornando o olho do espectador direcionado à centralidade da cidade – e, consequentemente, à importância que o gesto da retomada assume na narrativa. Trata-se, portanto, de um filme sobre Paris, cujos planos estão constantemente evidenciando as estruturas da cidade, suas pontes, seus canais, e cujo discurso não deixa nunca de rememorar o aspecto central da retomada: é preciso resgatar a grande cidade europeia, a estrela do século XIX, e impedir a destruição da história que ecoa por seus monumentos.

E é nesse sentido que Paris Está em Chamas? assume um aspecto propagandístico. Mais do que um filme de guerra com pretensões de narrar a disposição do conflito, parece ser uma obra cujo interesse reside nesse retrato enaltecedor, no desenho memorialístico e ingênuo de que a ilusão de uma cidade de tal magnitude deve ser preservada. A constante alternância entre as modulações de tom, por exemplo, são um aspecto disso: alternadamente com belos momentos de construção da violência e do drama, há uma comicidade que reverbera por todo o fio da obra, realçada pela utilização da música de aspecto enaltecedor, fazendo com que aquilo que assistimos não deixe de se assimilar com os próprios filmes de propaganda de guerra que eram exibidos para os soldados.

Outro ponto que corrobora com isso é justamente uma decisão de predominância de certa ação, de centralidade do plano envolvendo os movimentos de guerra dos soldados, cuja montagem parece existir unicamente em função de enaltecer esse gesto de resistência. Não que a resistência não seja uma atitude louvável, isso é mais do que óbvio. No entanto, existe um certo aspecto dramático que se perde perante essa tentativa incessante de desenhar a ode, de exaltar a salvação das luzes (algo calcado, de certa forma, na esperança de continuidade de certa herança colonial) e fundamentar no humor espirituoso qualquer noção de estética que ultrapasse o mero espaço do discurso de batalha, da propaganda. Em meio às quase três horas de duração do longa, poucos são os momentos em que Clément decide, de verdade, pensar a imagem, trabalhar o plano em função do cinema em si, tornando o filme o próprio objeto da reflexão estética. O que resta, de certa forma, é uma música animadora, retratos humorísticos do horror e tentativas dramáticas mal encaixadas que, quando somadas, acabam por se confundir, perdendo toda uma produção de sentido.

Paris Está em Chamas? soa, em última instância, como um discurso dos vencedores, cujo propósito não deixa de ser uma própria exaltação do processo de vencimento. Obviamente o retrato da Resistência Francesa é um material cênico que possui um poder avassalador, porém o filme deixa de justamente adentrar nas contradições desses processos para se fundar, sem muito espírito, em uma mera esquete vazia. O que sobra é que o trato com a memória, no fim, é pouco memorialístico em si.

Paris Está em Chamas? (Paris brûle-t-il?) – França, EUA, 1966
Direção: René Clément
Roteiro: Gore Vidal, Francis Ford Coppola, Jean Aurenche, Pierre Bost, Claude Brulé
Elenco: Jean-Paul Belmondo, Charles Boyer, Jean-Pierre Cassel, Leslie Caron, Alain Delon, Kirk Douglas, Yves Montand, Anthony Perkins, Orson Welles
Duração: 173 min.

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