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Crítica | Mulheres de Azul – 1ª Temporada

Uma simpática e relevante "novela mexicana".

por Ritter Fan
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Mulheres de Azul é uma série que, em razão de seu tema, jamais seria produzida nos anos 70, década em que a história se passa, mas tudo nela grita anos 70, de sua estrutura mais novelesca, passando pelas caracterizações dos personagens e chegando à maneira como todas as narrativas convergem na direção de uma solução. Fernando Rovzar, criador, diretor e roteirista, desavergonhadamente agarrou-se a esses elementos da maneira mais velha guarda possível de se fazer séries para colocar nas telinhas uma obra que, se encarada sob esse prisma, tem tudo para agradar uma larga parcela do público que procurar diversão de qualidade com crítica social relevante, tudo inspirado em eventos reais que gravitam ao redor da criação da primeira força policial feminina da Cidade do México, em 1971.

Usando uma fotografia suave em tons pasteis que combina com a época e com a cor “azul calcinha” e o estilo “aeromoça” de minissaia e bota preta brilhante no joelho dos uniformes das Las Azules, como logo são apelidadas as policiais, a série foca em quatro das 16 mulheres que conseguem passar nas provas teóricas e práticas estabelecidas pelo reinstaurado detetive Octavio Romandía (Miguel Rodarte): María (Bárbara Mori), mulher “bela, recatada e do lar” que, quando descobre que o marido a está traindo, decide perseguir seu sonho de infância de ser detetive e que se torna a líder natural do grupo; Valentina (Natalia Téllez), irmã mais nova rebelde de María que planta a ideia de ser policial na cabeça de María; Gabina (Amorita Rasgado), filha e irmã de policiais que deseja mais do que tudo na vida seguir essa carreira, mas não recebe apoio algum da família e, finalmente, Ángeles (Ximena Sariñana), uma extremamente tímida jovem, provavelmente autista em algum grau, capaz de prodigiosas pesquisas e detentora de invejável capacidade analítica. É, basicamente, como As Panteras, só que mais pé no chão e em um mundo patriarcal que não lhes dá valor algum e cuja existência é, apenas um golpe publicitário do governo do país bolado por Escobedo (Christian Tappan), que é apontado como o novo responsável pela polícia pelo presidente.

Inicialmente apenas munidas dos uniformes azuis e apitos em missões que não passam de “sorrir e acenar” para o público em passeios nos parques da cidade ou, claro, servir cafezinhos para os “policiais de verdade” na delegacia, María acaba descobrindo o corpo da mais nova vítima do Depravado, serial killer que assombra a cidade e isso desperta nela e nas demais a vontade – contra todas as ordens – de fazer uma investigação real sobre o assassino, já que tudo que os detetives conseguem fazer é pegar a primeira pessoa que possa remotamente ser o algoz e, sob tortura, arrancar confissão assinada. E, claro, é o minucioso trabalho das quatro novas policiais que não só impulsiona a narrativa como efetivamente descobre quem é o assassino, levando a uma primeira temporada que conta uma história completa, com começo, meio e fim, ainda que, naturalmente, deixe pontas soltas não para que o mesmo caso seja revisitado, mas sim para que outro comece.

Evidentemente que, ao longo dos 10 episódios, o mote central é o papel da mulher na sociedade, especialmente a mexicana na década de 70 que espelha a de diversos outros países do mundo na mesma época e até os dias de hoje em diversos graus, alguns até consideravelmente mais graves como é o caso dos países muçulmanos. María é a esposa que, mesmo traída, torna-se a culpada de tudo por escolher fazer algo fora do comum que é “abandonar” sua família para ter uma carreira que não seja a de dona de casa e Gabina é a filha e irmã que só serve mesmo para literalmente levar o almoço do pai e dos irmãos na delegacia e que sequer consegue enxergar a verdadeira natureza deles mesmo quando ela é expulsa de casa por ter se tornado policial. Valentina é enquadrada como a rebelde, como adjetivei mais acima, já que ela é independente, cheia de opiniões próprias e capaz de enfrentar quem quer que seja, mas, por isso mesmo, não é levada muito a sério nem mesmo – inicialmente – por sua própria irmã. Quem corre por fora dessa linha narrativa sobre empoderamento feminino é Ángeles, já que sua aparente limitação psiquiátrica não diagnosticada (pois isso era incomum na década de 70) serve como um belíssimo comentário sobre a perfeita capacidade que pessoas assim têm de funcionar em sociedade se forem tratadas com paciência e respeito, com a atriz Ximena Sariñana simplesmente arrasando em seu papel e construindo uma personagem que facilmente se destaca entre as demais, mesmo em relação à María que, para todos os efeitos, é a protagonista.

No entanto, como afirmei no começo da crítica, o showrunner, diretor e roteirista Fernando Rovzar arregaça as mangas não só para criar uma série visualmente no estilo setentista, como também narrativa e estruturalmente, fazendo uso generoso (generosíssimo!) de clichês e tropos narrativos do gênero, do machismo extremo dos policiais, passando pela investigação “no porão” da delegacia pela quadra de mulheres, pelo comando hesitante, mas crescentemente orgulhoso de Romandía e também e principalmente por como cada elemento das histórias – a central sobre o serial killer e todas as histórias pessoais das quatro policiais, especialmente María – é abordado pelos roteiros. É especialmente velha guarda a maneira como o grande vilão finalmente é revelado, com direito àquelas convergências de linhas narrativas que são tão improváveis como excitantes, ainda que seja uma surpresa como, em determinada altura, o roteiro inspire-se no aspecto de mentoria de O Silêncio dos Inocentes. E isso leva a inevitáveis repetições e recomeços, falsas pistas e toda uma forma de contar história que exige a sempre útil paciência do espectador. No mundo cínico e cinético em que vivemos, tenho para mim que muita gente achará a série antiquada justamente por isso e, em muitos aspectos, não há como escapar dessa conclusão. Mas como tudo é muito claramente proposital e como as quatro atrizes centrais acertam demais em suas interpretações, tenho para mim que Mulheres de Azul merece a deferência e a compreensão do que Rovzar tentou – e conseguiu – fazer, ou seja, sua “novelinha” simpática e repleta de relevantes e didáticas críticas sociais.

Mulheres de Azul – 1ª Temporada (Las Azules – México, de 30 de julho a 24 de setembro de 2024)
Criação: Fernando Rovzar
Direção: Fernando Rovzar, Alfonso Pineda Ulloa
Roteiro: Fernando Rovzar, Wendy Riss, Pablo Aramendi, Silvia Jiménez
Elenco: Bárbara Mori, Ximena Sariñana, Natalia Téllez, Amorita Rasgado, Miguel Rodarte, Leonardo Sbaraglia, Christian Tappan, Horacio Garcia Rojas, Rosa María Bianchi, Sebastián Buitrón, Mario Zaragoza
Duração: 538 min. (10 episódios)

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