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Crítica | Heartstopper – 3ª Temporada

A leve série teen ganha traços mais densos.

por Felipe Oliveira
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A sensação de voltar ao universo da adaptação da graphic novel de Alice Oseman é sempre aconchegante pela forma que a autora aborda as histórias dos personagens enquanto estes transitam para a vida adulta, porém, é como se esse universo estivesse tão seguro de si que às vezes parece o mesmo. Se o segundo ano focou no processo de aceitação e autoaceitação de Nick, a terceira temporada traz a atenção para a Charlie, abordando o transtorno alimentar e compulsão e como isso afeta as suas relações, principalmente com o namorado. Só pelo início, é notável como as férias de verão em Heartstopper começaram com um clima diferente visto que continuava o gancho anterior: a conversa sobre a saúde mental de Charlie. Nesse sentido, Oseman já tem a receita perfeita para trabalhar temas sensíveis de maneira inofensiva, sem romantizar as questões que os personagens lidam.

Tendo o primeiro ano da série trazido elementos do segundo e terceiro volume da graphic novel, Oseman teve a chance de desenvolver os arcos mais delicados dos protagonistas fazendo disso o ponto principal de cada temporada. Embora os transtornos de Charlie sejam discutidos aqui, a reflexão gerada é sobre autocuidado e dependência em um relacionamento. A ideia de dar espaço para trabalhar os arcos de forma isolada deu a oportunidade de poder observar com cuidado as nuances que o típico romance adolescente vai recebendo. Diferente no ano anterior, o qual a narrativa discorria sob o ponto de vista de Nick, o recente ciclo da série dá ênfase sobre a melhor forma de conversar acerca dos distúrbios de Charlie, o que fica claro mais uma vez em como Oseman não destoa da essência do seu universo acolhedor ao seguir com uma escrita consciente e responsável do que está abordando. Dessa forma, a estrutura da temporada é dividida nos dois pombinhos, explorando os ângulos complexos dessa relação. Um bom exemplo de quando essa dinâmica de perspectivas alternadas se encontra é no episódio em que Charlie é visitado na clínica. Naquele momento, havia versões distintas de um processo que levou meses, onde o ponto em questão não era pelo reencontro do casal, mas de como cada um está lidando com suas questões e no que isso afeta o relacionamento. 

A soma de todos esses fatores deu a Heartstopper a sua fase mais dramática, com um reforço no visual cartunesco representando o estado emocional dos personagens. Se antes Nick protagonizou momentos ásperos com a família, foi a vez de Charlie ter esse lado descamado, o que possibilitou aqui o retrato sobre a importância de um lugar acolhedor e compreensível para conversar sobre saúde mental. Embora pareça superficial ao trazer discussões, a essência desse mundo criado por Oseman é de iluminar casos e situações que acompanham a realidade de adolescentes de maneira esperançosa, mas sem soar utópica para como as coisas realmente acontecem. Então, no jeito “Heartstopper de ser“, a série explora questões que vão desde disforia a pensamentos compulsivos, anorexia, mutilação e ansiedade, mas tudo sem deixar pesar e perder de vista a abordagem leve com que nutre essa história sobre amadurecimento. Tudo começou partindo do romance recorrente em tramas do gênero, e Oseman faz disso um lugar onde possa tratar desses temas de modo agridoce, ou ao menos de como ela imagina um mundo onde isso fosse possível.

Ter tópicos mais delicados trouxe a série uma nova estrutura narrativa a fim de suavizar o retrato do estado mental de Charlie, e consequentemente, mostrar o impacto que isso foi assumindo ao longo do tempo. É ótimo que, mesmo com a natureza dos assuntos abordados, Oseman encontrou espaço para destrinchar os altos e baixos dessa relação, mas assim, também falar da cumplicidade e confiança que foram construídas. Fazendo como de costume, a temporada encerra apontando para o que será abordado no ano seguinte, e nesse caso, ficamos aqui com o indicio de um arco mais decisivo ao ter como gancho questões como prioridade e dependência num relacionamento. Nesse sentido, a série evita a linha do melodrama tendo o sentimento do primeiro amor como algo definitivo e coloca os personagens para refletir o futuro como jovens promissores. Tudo isso fazendo parte da abordagem acolhedora de Oseman ao fazer um romance coming of age que vai além ao trazer um novo olhar para os tropos do gênero.

Ainda que o terceiro ano de Heartstopper seja desafiador, em contrapartida, sobra a sensação de equilíbrio dos arcos em relação às duas primeiras temporadas. O coração da série nunca se tratou inteiramente do relacionamento de Charlie e Nick, mas também da rede de apoio, companheirismo e amizade do grupo de amigos, mas aqui fica evidente que ao querer representar vários assuntos ou dar uma significância mínima que seja para qualquer personagem, terminou afetando o ritmo e maturidade com que a série trilha tão bem seu universo por escolhas desnecessárias. O que fica como exemplo o espaço que Tori, irmã de Charlie recebeu além das aparições aleatórias e frases ácidas específicas, mas em seguida ganhar um interesse romântico também avulso como se cada membro do leque regular do elenco precisasse de um par amoroso para chamar de seu, o que entra para ilustração Imogen e Sai, quando o arco de Isaac serviu exatamente como um contraponto a impressão básica de que a série se resume a um romance com casais fofos.

Com uma última temporada aguardando por renovação, Heartstopper entrega sua fase mais densa ao abordar traços mais sensíveis a esse universo particular que explode das páginas da graphic novel para as telas, mas também, foi o momento mais afetado pelo próprio estilo, afinal, nem tudo precisa ser o tempo só cores, amores e pares românticos.

Heartstopper – 3ª Temporada (Heartstopper – Reino Unido, 2024)
Criação: Alice Oseman
Direção: Andy Newbary
Roteiro: Alice Oseman
Elenco: Joe Locke, Kit Connor, William Gao, Yasmin Finney, Tobie Donovan, Rhea Norwood, Corinna Brown, Kizzy Edgell, Fisayo Akinade, Hayley Atwell, Jenny Walser, Nima Taleghani, Jack Barton, Eddie Marsan, Georgina Rich
Duração: 35 a 38 min (8 episódios, cada)

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