Publicado pela primeira vez em 1818, Frankenstein, de Mary Shelley, não é apenas um clássico da literatura gótica, mas também uma obra que desafia as ideias contemporâneas sobre ciência, ética e a natureza humana. O fascínio que esse romance exerce até os nossos dias pode ser explicado por uma combinação de fatores históricos, sociais e filosóficos que continuam a ressoar em nossos debates contemporâneos, constantemente expostos nas redes sociais, em telejornais, em eventos acadêmicos, dentre outros. Uma das principais razões para o contínuo interesse por pela história iniciada no romance da escritora britânica, traduzida e modificada constantemente pelo cinema, reside em suas profundas questões éticas. O enredo gira em torno da busca de Victor Frankenstein por reanimar a vida, um desejo que leva a consequências terríveis. É um mote com amplo potencial cinematográfico, mas poucas vezes bem aproveitado pelo ramo de narrativas ficcionais audiovisuais. O romance, largamente adaptado, traz uma narrativa que provoca reflexões sobre os limites da ciência e as responsabilidades que vêm com o conhecimento. Em uma era em que a biotecnologia, a engenharia genética e a inteligência artificial estão em rápida ascensão, as perguntas levantadas por Shelley são mais pertinentes do que nunca. A angústia e a responsabilidade que acompanham a criação da vida são temas universais e atemporais que continuam a intrigar o público e foram abordadas numerosas vezes pelos realizadores da Universal e, logo adiante pelos estúdios Hammer.
Quando penso em como filmes tão irregulares conseguiram ganhar tantas versões, reflito sobre o amplo legado e impacto cultural do romance em questão, história que mesmo passando por diluições diversas em suas traduções, causavam fascínio em boa parte dos espectadores que lotavam salas de cinema em busca de catarse. O monstro de Frankenstein tornou-se um ícone, adaptado em inúmeros filmes, peças e obras de arte. É uma figura ficcional que transcendeu a literatura, tornando-se um símbolo cultural de medo, solidão e a luta pela aceitação. No geral, todas as suas adaptações continuam a reinventar e recontextualizar a história literária e nos apresentando novos ângulos e interpretações que atraem diferentes audiências. O apelo visual do monstro e a sua relação trágica com o criador geram interesse em produtos culturais como o cinema, não é a toa que a Hammer investiu em sete filmes sobre esse universo, sendo esse Frankenstein e o Monstro do Inferno o suspiro final de uma era de reciclagem e repetições.
Dessa vez, o cineasta Jimmy Sangster assume mais uma vez a cadeira de diretor, guiado pelo roteiro de Jeremy Burhman. Repetindo o jogo de imagens do antecessor, O Horror de Frankenstein, James Needs retoma a direção de fotografia e, diferentemente do que tinha se tornando tradição, Malcolm Williamson toma o posto de composição da trilha sonora, anteriormente atribuída assinada por James Bernard. Há, sim, algumas variações no estilo, mas a padronização é latente a cada cena em que a música sobe e acompanha o desenvolvimento das ações dos personagens. Quem retorna também é Peter Cushing, como o cientista inescrupuloso, em mais uma jornada que mantém elos distantes com o ponto de partida literário de Mary Shelley, aqui abordado apenas nas nomenclaturas das figuras ficcionais, na ambientação gótica e no projeto científico com fins desprovidos de ética.
Ao longo de seus 99 minutos, Frankenstein e o Monstro do Inferno nos entrega uma trama convencional, que repete a maioria dos clichês dos seis filmes anteriores, com parcas variações. Dessa vez, cadáveres são roubados em um cemitério e tais crimes são atribuídos ao Dr. Simon Helder (Shane Briant), um cientista interessado em retomar as experiências conhecidas por ter a assinatura do Barão Victor Frankenstein. Após ser apanhado e condenado ao internamento em um hospício. Inicialmente tratado com desprezo pelos seguranças, ele recebe a intervenção cuidadosa de Frankenstein, interessado em assumir o seu caso. Confusões e mortes acontecem nesse espaço, além da esperada experimentação científica em um paciente que apresenta instintos violentos após o procedimento, culminando numa jornada onde os corpos se empilham, mas apenas o Barão fica vivo e sem traumas para contar a história e, claro, esboçar os próximos passados de suas futuras empreitadas nesse segmento.
Apesar de se comportar como um monstro nas versões anteriores, o personagem de Cushing consegue demonstrar algumas doses de empatia em determinadas passagens do filme, mas ainda assim, é arrogante e desprovido de uma moralidade coesa. O horror gráfico, por aqui, é mais presente nas cenas de experimentações no âmbito da anatomia de corpos remexidos pelos cientistas, numa história que não se sustenta bem como drama, tampouco causa algum tipo de choque enquanto estética violenta, afinal, em 1974, o cinema começava a sair da perspectiva dos monstros clássicos, para abordar outros anseios das plateias: as narrativas com psicopatas que estabeleceram o slasher como uma febre na década seguinte. Última empreitada dos estúdios Hammer diante do universo de Frankenstein, esse filme possui alguns momentos curiosos e que nos prendem, mas insuficientes para assegurar uma firmeza narrativa para uma história que não sabe reciclar o que foi feito antes para nos entregar algo mais interessante.
Panoramicamente razoável, mas insuficiente como entretenimento atrativo. Leia-se: tedioso.
Frankenstein e o Monstro do Inferno (Frankenstein and the Monster from Hell | Reino Unido e Irlanda do Norte, 1974)
Direção: Terence Fisher
Roteiro: Anthony Hinds (baseado no romance de Mary Shelley)
Elenco: Peter Cushing, Shane Briant, Madeline Smith, David Prowse, John Stratton, Michael Ward, Elsie Wagstaff, Norman Mitchell, Clifford Mollison, Patrick Troughton, Philip Voss
Duração: 95 min.