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Crítica | Frankenstein Tem Que Ser Destruído

Frankenstein tem que ser destruído ou o projeto dos estúdios Hammer deveria ter sido eliminado? Eis a questão.

por Leonardo Campos
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O que fazer quando uma narrativa cinematográfica deixa de ser entretenimento e se transforma numa sessão de puro tédio? Foi o que me perguntei enquanto assistia Frankenstein Tem Que Ser Destruído, a quinta iniciativa dos estúdios Hammer no universo do clássico monstro que saiu da literatura e se metamorfoseou ao longo de uma jornada com muitos filmes irregulares e poucas iniciativas realmente primorosas, tanto estética quanto dramaticamente. Em seus 98 minutos que parecem uma eternidade, a abordagem posterior ao peculiar E Frankenstein Criou a Mulher segue o fluxo da negação ao processo de continuidade, construindo uma história diferente do antecessor, agora ainda mais pueril. Sob a direção de Terence Fisher, cineasta que toma como base, o roteiro assinado por Bert Batt, a produção dessa vez conta com Gordon Hales na direção de fotografia, em um trabalho que talvez, esteticamente, poderia expor uma perspectiva imagética diferente, mas isso não acontece. A construção é burocrática, tal como a composição de James Bernard, músico mais uma vez inserido no terreno da trilha sonora de um filme de monstro.

A história, embora mantenha alguns elementos do mito de Frankenstein, transita mais uma vez para novas dimensões ao explorar questões morais, éticas diante da busca incessante pelo conhecimento. O filme já começa com o estabelecimento de uma atmosfera evocativa daquilo que imaginamos como opressor e insano. O Dr. Victor Frankenstein, novamente interpretado por Peter Cushing, é apresentado como um cientista obcecado pela criação de vida a partir da morte. No entanto, sua busca é marcada por um profundo desespero e pela desesperança diante das consequências de suas ações. Esta representação do personagem está longe do ideal do cientista heroico. Em vez disso, ele é mostrado como uma figura abjeta, cujas ambições egocêntricas o levam a transgredir aquilo que consideramos como limites éticos e morais. Dessa vez, a figura ficcional é mais monstruosa que qualquer uma de suas criações laboratoriais.

Na trama, ele está diante do anseio de montar com urgência, o seu laboratório. Para isso, conta com a ajuda de um médico, o jovem Dr. Karl Holst, interpretado por Simon Ward, e de sua esposa, a bela Anna Spengler (Veronica Carlson). Ela, por sinal, é a proprietária de uma pensão onde o cientista foi se hospedar. Logo mais, descobrimos que por Karl ser funcionário de um hospício, acabou envolvido em uma jornada ilícita no âmbito do tráfico de drogas ministradas no local. Esse é um prato cheio para as vindouras chantagens de Frankenstein. O objetivo do cientista, desesperado para dar vazão aos seus projetos, é arrumar uma maneira de elucidar o segredo do sucesso no terreno dos transplantes de cérebro. Para isso, ele obtém informações de outro especialista no assunto, surtado depois do relacionamento com a pesquisa e seus desdobramentos. Pronto, é quando o filme insere George Pravda no papel do Dr. Brandt.

Após uma série de eventos dominados por excessiva suspensão da nossa descrença, o cientista é levado ao seu ápice: transplantar o cérebro de Brandt para o corpo de outro médico desse asilo, o professor Richter, interpretado por Freddie Jones. As coisas sairiam como planejadas se não fosse um investigador de polícia, Inspetor Frisch (Thorley Walters) e a esposa do médico, Ella (Maxine Audley). Com o objetivo de conseguir congelar um cérebro intelectualmente privilegiado para utilização em outros experimentos no futuro, o antagonista em Frankenstein Tem Que Ser Destruído se envolve em confusões, protagoniza uma constrangedora cena de tentativa de estupro, além de passagens que jorram doses consideráveis de sangue, dentre outras imagens tenebrosas. Mais interessante que o filme é a história real do Dr. Knox, mencionada brevemente em um dos diálogos com o personagem de Peter Cushing. Não a abordagem breve na conversa entre os personagens, mas a trajetória do personagem macabro da vida real.

Como podemos contemplar no romance de Mary Shelley e, mais detidamente, no pastiche narrativo proposto pela série As Crônicas de Frankenstein, o século XIX foi uma era de grandes avanços na medicina, especialmente na anatomia. A dissecação de cadáveres humanos era essencial para o aprendizado médico, porém, a disponibilidade de corpos legais para esse fim era extremamente limitada. As leis britânicas permitiam apenas o uso de corpos de executados e indigentes não reclamados, o que não era suficiente para saciar a demanda das escolas de medicina. É quando entra a macabra história do Dr. Robert Knox, um renomado anatomista escocês, nascido em 1791, que ganhou destaque em Edimburgo. Com uma reputação crescente e uma demanda constante por corpos para as suas aulas de anatomia, Knox aceitava cadáveres de várias fontes. Ele pagava bem, o que atraía a atenção de elementos menos escrupulosos da sociedade, dentre eles, William Burke e William Hare, imigrantes irlandeses que se mudaram para Edimburgo por volta de 1827. Inicialmente, Hare administrava uma pensão, mas após a morte de um dos locatários e perceberem que poderiam lucrar com a venda do corpo para Knox, os dois começaram um esquema macabro. Em vez de desenterrar corpos, eles passaram a assassinar pessoas para vender os cadáveres frescos.

Entre 1827 e 1828, Burke e Hare mataram pelo menos 16 pessoas, com um modus operandi que consistia em sufocar suas vítimas para não deixar marcas visíveis de violência, uma técnica que ficou conhecida como “Burking”. Essas atividades passaram despercebidas por um bom tempo, devido à ausência de sinais claros de assassinato e à eficiência do mercado negro de corpos. A dupla acabou sendo descoberta após ser pega tentando vender o corpo de uma de suas vítimas. No julgamento, Hare concordou em testemunhar contra Burke em troca de imunidade. William Burke foi condenado e executado, em janeiro de 1829, com seu corpo sendo, ironicamente, doado para dissecação pública. Hare desapareceu da vista do público após o escândalo. Quanto a Knox, apesar das suspeitas e da indignação social, ele não foi formalmente acusado de nenhum crime, mas sua reputação foi irremediavelmente manchada. A divulgação desse caso levou à aprovação da Lei de Anatomia de 1832 no Reino Unido, que regulamentou a doação de corpos para a ciência e acabou com a prática ilegal de aquisição de cadáveres.

Pasmo, descobri que essa, a maior lição indireta aprendida com Frankenstein Tem Que Ser Destruído, foi o ponto alto da sessão do filme. Estranho, não é mesmo?

Frankenstein Tem que Ser Destruído (Frankenstein Must Be Destroyed | Reino Unido e Irlanda do Norte, 1969)
Direção: Terence Fisher
Roteiro: Bert Batt, Anthony Nelson Keys (baseado no romance de Mary Shelley)
Elenco: Peter Cushing, Veronica Carlson, Freddie Jones, Simon Ward, Thorley Walters, Maxine Audley, George Pravda, Geoffrey Bayldon, Colette O’Neil
Duração: 101 min.

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