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Crítica | E Frankenstein Criou a Mulher

Uma divertida, mas irregular, paródia de E Deus Criou a Mulher, protagonizado pela icônica Brigitte Bardot.

por Leonardo Campos
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A paródia, como dito em alguns textos por aqui, em especial, esse panorama de Frankenstein, tem um poder preciso de estabelecer boas histórias de entretenimento e, junto a isso, críticas sociais pertinentes e intrigantes. Quando bem realizada, a paródia não apenas faz rir, mas também provoca reflexões sobre a obra que serve como ponto de partida, bem como traz tópicos a sociedade em que está inserida. O poder da paródia reside em sua capacidade de subverter convenções, expor hipocrisias e oferecer novas perspectivas sobre temas universalmente debatidos. No entanto, é importante ressaltar que a paródia deve ser realizada com cuidado e inteligência. Quando mal executada, pode se tornar mera imitação ou, pior, ofensiva. A habilidade do roteirista e do diretor em encontrar um equilíbrio entre homenagem e crítica é fundamental para o sucesso da paródia. Essa linha tênue é o que distingue uma obra inteligente de uma simples caricatura. Não é exatamente o que acontece na proposta paródica de E Frankenstein Criou a Mulher, uma narrativa que de tão absurda, chega a ser uma pérola do cinema. Seus problemas, ressaltados mais adiante, estão mais na execução do texto dramático em si.

Como destacado, o poder da paródia no cinema é inegável. Ela não apenas proporciona momentos de diversão, mas também convida o público a refletir sobre a cultura em que está inserida. A abordagem do filme em questão, lançado em 1967, dialoga com seu contexto de mudança da construção de personagens e delineamento de temas mais ousados no cinema, mas olhando com distanciamento, a narrativa de 86 minutos que nos apresenta o quarto exemplar situado no universo de Frankenstein está mais para caça-níqueis. É aquele material oportunista, abaixo da média no que tange aos seus aspectos dramáticos, e para além, esteticamente repetitivo quando comparado aos seus antecessores. Quando bem realizada, uma paródia transforma o entretenimento em uma forma de crítica social e cultural, fazendo com que o espectador repense a relação que tem com a obra ponto de partida e com a sociedade em geral. Esse, por sua vez, não é o caso desse enredo de horror bizarro e cômico.

No geral, como a palavra-chave “Frankenstein” costuma render muito, os realizadores dos estúdios Hammer não perderam tempo e trouxeram Terence Fisher, mais uma vez, para a cadeira de diretor, cineasta que assume o escalafobético roteiro de Anthony Hinds, uma autêntica piada na melhor das compreensões para esse termo. O espaço cênico, captado pelas imagens da direção de fotografia de Spencer Reeve, coloca os personagens diante de ambientes que remetem ao passado, numa era aparentemente mais atual, mas ainda calcada numa perspectiva gótica. Isso é somado ao trabalho sonoro de James Bernard, geralmente bom, mas que aqui entrega repetições de texturas anteriores, afinal, convenhamos, ele foi o principal músico da volumosa Era Hammer de narrativas com monstros. Seria preciso muita mágica para conseguir seguir caminhos inovadores diante de tantos filmes com a criatura de Mary Shelley e de Bram Stoker, proeminentes na época que também foi demarcada por diversas aparições vampirescas.

Um detalhe, caro leitor, que precisa ser levado em consideração: desde os antecessores desse universo cheio de peculiaridades, os realizadores se distanciaram cada vez mais da perspectiva literária de base, ofertada no romance de Mary Shelley, para empregar perspectivas múltiplas tendo apenas o título e alguns detalhes como elementos de aproximação. No desenvolvimento de E Frankenstein Criou a Mulher, acompanhamos a seguinte estrutura narrativa: anos após a execução de seu pai na guilhotina, Hans (Robert Morris) trabalha como assistente do Doutor Victor Frankenstein (Peter Cushing), um cientista que busca descobrir como capturar e transferir a alma de uma pessoa falecida para um corpo recém-morto. O personagem vive uma espécie de amor proibido com Christina (Susan Denberg), filha de um taberneiro. Depois de um confronto diante de uma discussão com três bêbados, Hans passa por diversas outras confusões e acaba condenado. Assim como o seu pai, ele é guiado para a guilhotina.  Angustiada, Christina testemunha a morte de Hans, situação que a leva a se jogar em um rio.

Seu corpo é recuperado pelos camponeses e levado ao Dr. Hertz (Thorley Walters). Juntamente com o Barão Frankenstein, ele realiza uma transferência da alma de Hans para o corpo de Christina. Após meses de tratamento complexo, Christina emerge como uma mulher saudável, mas sem memória de sua vida anterior. Frankenstein mantém sua identidade em segredo, restringindo informações sobre seu passado e a mantendo na casa de Hertz. Com o tempo, por sua vez, Christina começa a recuperar sua identidade, mas é possuída pelo espírito vingativo de Hans. Sob sua influência, ela assassina os bêbados que levaram o seu amado para a guilhotina, utilizando-se da sedução para estabelecer um breve caminho de sangue. No meio de uma série de situações tão absurdas quanto o argumento apresentado, ela decide ceifar mais uma vez a sua nova vida, deixando para trás uma existência amarga e infeliz.

A produção é uma versão paródica do clássico E Deus Criou a Mulher, dirigido por Roger Vadim, filme conhecido por consolidar a imagem da atriz Brigitte Bardot, considerada um dos maiores símbolos sexuais da história do cinema. O filme se passa na ensolarada cidade de Saint-Tropez, na França, e explora a vida de Juliette, uma jovem mulher rebelde e sensual que se torna objeto de desejo dos homens da cidade. Em linhas gerais, o enredo gira em torno da relação tumultuada de Juliette com três homens: um deles, rico e aristocrático, o outro, apaixonado e possessivo, além de um tímido e inseguro homem de negócios, que se vê preso entre suas próprias inseguranças e os encantos da jovem. Juliette, que personifica a liberdade feminina e a sexualidade em discussão midiática diante dos movimentos da década de 1950, se tornou uma desafiadora figura para encarar as convenções sociais e os papéis tradicionais da mulher em uma época dominada por transformações. O filme conseguiu capturar o espírito rebelde de uma geração que ansiava por mudanças, não só no comportamento individual, mas também nas normas sociais. Por seu legado e impacto cultural, ganhou essa e outras releituras.

Criativo, mas ordinário, E Frankenstein Criou a Mulher é irregular, sim, mas diverte bastante.

E Frankenstein Criou a Mulher (Frankenstein Created Woman | Reino Unido e Irlanda do Norte, 1967)
Direção: Terence Fisher
Roteiro: Anthony Hinds (baseado no romance de Mary Shelley)
Elenco: Peter Cushing, Susan Denberg, Thorley Walters, Robert Morris, Duncan Lamont, Peter Blythe, Barry Warren, Derek Fowlds, Alan MacNaughtan, Peter Madden, Philip Ray, Ivan Beavis, Colin Jeavons, Bartlett Mullins, Alec Mango
Duração: 86 min

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