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Crítica | A Substância (2024)

A mudança que você precisa.

por Felipe Oliveira
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Voltando sete anos depois de sua estreia em um longa-metragem, são várias as características em comum que Coralie Fargeat compartilha entre Revenge e a A Substância, mas há um ponto que se destaca: são dois filmes escritos e dirigidos por ela. Embora o primeiro tenha tocado em uma história familiar ao abordar temas como estupro e vingança, Fargeat fazia a audiência embarcar nas subversões e exageros da sua abordagem, afinal, era inegável a confiança que ela tinha ao comandar algo tão original de uma forma feroz, e era o que colocava o filme como um ponto fora da curva. Já The Substância, chama atenção logo de cara pelos enquadramentos e visuais que Fargeat propõe, e a abertura pode ser vista como um curta, um prólogo que anuncia a alegoria da premissa, mas também, é uma versão conceitual que introduz a trama, traçando um paralelo sobre Elizabeth Sparkle, vivida por Demi Moore

Por ser uma espécie de prenúncio, a abertura dá um gostinho de um conto mórbido de advertência para um body horror que traça alegorias e também uma sátira sobre a obsessão feminina pela aparência, autoestima, auto-ódio, e principalmente, como esses corpos são vistos pela sociedade. Se em Revenge Fargeat criou um thriller tenso e improvável, a câmera e ritmo de A Substância suga a atenção da audiência em um nível psicótico que remete bastante a Réquiem Para um Sonho. A câmera aqui quase não dá espaço para respirar, com planos fechados – sendo poucos os exemplos de planos abertos – que se interpolam a um design de som que transforma qualquer ruído em um ASMR, que se mistura a buzina de carro, barulho de saltos, o zíper de um vestido, tudo sempre parecendo intenso na tela.

Mesmo bebendo de muitas referências, a cineasta francesa está constantemente provocando a ideia de percepção que temos sobre a trama, afinal, se ora surja traços de O Crepúsculo dos Deuses ou O Retrato de Dorian Gray, a sacada está em como Fargeat utiliza esses acenos. Vingança nunca caía em um lugar comum porque os tropos do gênero serviam apenas como elementos para a roteirista e diretora, e aqui, o filme de Billy Wilder e livro de Oscar Wilde servem para composição da fábula sobre uma atriz em decadência em Hollywood e que recorre a uma droga experimental depois de ser demitida do seu programa fitness na TV, para então recuperar o estrelato gerando “uma versão melhor de si mesma”. A crítica à indústria é direta, mas o foco aqui é como a pressão pelo padrão de beleza e preconceito pela idade atingem a personagem de Moore. Do drama, o filme se inclina para a ficção científica, depois ao body horror até chegar a uma sátira caricata e exagerada que assume um rumo imparável.

É como se crítica e repulsa fossem ingredientes indispensáveis que tornam a direção de Fargeat tão habilidosa. Assim como Requiem for a Dream, A Substância parece um espiral de um pesadelo que vai superando suas ideias a nível de exaustão, mas não angustiante, e sim satisfatória. E tudo isso se deve à forma brilhante com que devora essa fábula – e, consequentemente, a audiência – o que entra também o comprometimento de Moore e Margaret Qualley em abraçaram os absurdos que o filme propõe. O último ato é o maior exemplo de que Fargeat está dirigindo um universo com regras próprias – digno de um visual grotesco que impressiona pelo uso de efeitos práticos, maquiagem e próteses – o que fica claro pela maneira insana em que ela fecha sua crítica sobre etarismo e a busca prejudicial por padrões de beleza em alusão a como as mulheres se tornam inimigas de si mesmas por essa pressão social.

O que potencializa ainda mais a forma criativa com a qual Fargeat dirige, é a maneira com que Moore e Qualley são filmadas, sendo a primeira um retrato de vulnerabilidade, insatisfação e auto-desprezo, e Qualley representando o olhar hipersexualizado que recebe por atender aos padrões que são impostos pela sociedade – mas ainda traçando uma sátira ao fetichismo do olhar masculinl – e no caminho, desrespeita os próprios limites para manter esse status – o que reflete a geração atual que recorre a inúmeros processos estéticos e Ozempic. Encerrando a genialidade de sua fábula monstruosa moderna, é como se, no final, Fargeat virasse o espelho para o público/sociedade que, depois de acompanhar tudo o que Elizabeth Sparkle, atriz rejeitada pela indústria fez, devolvesse o resultado por toda busca sua busca pela aparência perfeita.

A Substância (The Substance – EUA – Reino Unido – França, 2024)
Direção: Coralie Fargeat
Roteiro: Coralie Fargeat
Elenco: Demi Moore, Margaret Qualley, Dennis Quaid, Oscar Lesage, Gore Abrams
Duração: 140 min

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