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Crítica | 100 Anos de Adolf Hitler – A Última Hora no Bunker do Führer

Suspiros da podridão.

por Luiz Santiago
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Primeiro filme da Trilogia Alemã, de Christoph Schlingensief, 100 Anos de Adolf Hitler – A Última Hora no Bunker do Führer (1989) não se configura como uma reconstituição histórica, uma análise factual dos eventos ou uma visão documental do que se passou no covil nazista, nos momentos da merecida morte daqueles indivíduos. É, na verdade, uma imersão na psique dos carrascos e a exposição da podridão de sua “verdadeira alma”, por assim dizer. Por isso diretor utiliza uma estrutura estética caótica, para escancarar a fragilidade moral que se ocultava sob a máscara de poder do regime. A escolha do bunker, como cenário, transcende o mero palco para as atuações: torna-se o visual da ruína moral e ideológica do nazismo, com corredores escuros onde incesto, suicídio, palavras de ordem e desejo de poder se fundem. A crueza imagética, potencializada pela única fonte de luz utilizada na fotografia, faz dessa experiência cinematográfica um perturbador mergulho no que podemos chamar de “aura” nazista. E, como era de se esperar, nada de bom há de sair daí. 

Schlingensief, em contraste com a abordagem de Hans-Jürgen Syberberg no gigantesco Hitler, um Filme da Alemanha (1977), afasta-se da busca por explicações históricas, contextos político-sociais ou esteticamente elegantes (embora mantenha, como seu colega, a humilhação do III Reich). O diretor de 100 Anos de Adolf Hitler opta por uma abordagem visceral, despojada de qualquer glamour, confrontando o espectador com a banalidade do mal que se ocultava sob o verniz de poder, despindo os nazistas da definição de “monstros” e mostrando-os como realmente eram: seres humanos comuns capazes de pensar, justificar e fazer todas as atrocidades que fizeram. As figuras, antes imponentes, são retratadas em sua vulnerabilidade patética e medíocre. A câmera, sempre balançando, percorre com urgência os corredores apertados do bunker, fortalecendo a sensação de aprisionamento que mimetiza o estado mental dos personagens.

A opção por expor o processo de criação, com suas paradas e reconstruções de cenas ou batidas de claquete, intensifica a experiência e desestabiliza a narrativa tradicional sobre a temática do nazismo, deixando claro para o espectador que se trata de uma análise “daquilo que normalmente não se vê” sobre esse assunto. Ter contato com os bastidores dessa visão é mais uma forma de humilhação do regime por mostrar a construção de toda a insanidade, da corja formada principalmente por Hitler (Udo Kier) Hermann Göring (Alfredo Edel) e Martha Goebbels (Margit Carstensen), todos excelentes em seus papéis, desconstruindo a imagem respeitosa dessas figuras. No caso específico de Hitler, o diretor e o ator fazem um trabalho ainda melhor que o visto em Primavera Para Hitler, pois aqui, o Führer é um fiapo de ser vivo, completamente prostrado e massacrado diante da realidade de ter a capital do Reich tomada pelos soviéticos.   

100 Anos de Adolf Hitler não é uma visita alienada ao passado, mas um confronto com a realidade atemporal da violência e a fragilidade dos destruidores, os piores e mais sujos exemplares da espécie humana. É um filme incômodo, por vezes exagerado, que nos leva a questionar a natureza do poder e a responsabilidade individual e coletiva diante da barbárie. Por isso que a obra de Schlingensief permanece atual, ecoando como um alerta para a importância da vigilância constante contra os fascismos, e a necessidade de proteger a democracia das corporações que sempre recorrerão a esse tipo de sistema em momentos de crise do capital. É uma reflexão necessária sobre quem a democracia burguesa se esforça para colocar no poder, e sobre a fragilidade da civilização diante da barbárie.

100 Anos de Adolf Hitler – A Última Hora no Bunker do Führer (100 anos de Adolf Hitler – Die letzte Stunde im Führerbunker) — Alemanha Ocidental, 1989
Direção: Christoph Schlingensief
Roteiro: Christoph Schlingensief
Elenco: Udo Kier, Alfredo Edel, Margit Carstensen, Volker Spengler, Andreas Kunze, Dietrich Kuhlbrodt, Marie-Lou Sellem, Ásia Verdi, Brigitte Kausch
Duração: 54 min.

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