Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Dylan Dog – Vol. 19: Memórias do Invisível

Crítica | Dylan Dog – Vol. 19: Memórias do Invisível

Uma narração melancólica.

por Luiz Santiago
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Em Memórias do Invisível, Tiziano Sclavi e Giampiero Casertano criam uma Londres envolta em sombras e chuva constante. Publicada originalmente em abril de 1988, a trama coloca Dylan Dog no centro de uma investigação que mescla assassinatos brutais com a figura fantasmagórica de um “Homem Invisível”, além de desenvolver um amor inesperado para o Detetive do Pesadelo, expondo um pouco da fragilidade emocional que ele, muitas vezes, tenta esconder. Sclavi constrói a atmosfera opressiva aos poucos, abrindo com uma narrativa angustiante, fazendo-nos questionar a identidade do “Homem Invisível” e do assassino, sendo este o primeiro grande mistério do enredo. O leitor suspeita que narrador e assassino sejam a mesma pessoa, mas algumas mudanças nos acontecimentos, em poucas páginas, derrubam todas as certezas iniciais e abrem portas bem mais interessantes para a história. 

A escolha de personagens marginalizados como alvo da violência intensifica o alerta social, expondo a vulnerabilidade de mulheres que vivem à margem da sociedade. Em nenhum momento, porém, isso vira um motivo central de discussão para o autor. Ele está preocupado em erguer um mistério que ronda diversos modelos de psicopatas, o impulso para esses crimes e a atuação da polícia oficial e extra-oficial em cada caso. O texto presenteia o leitor ao apresentar elementos visuais e narrativos característicos do giallo, como as reviravoltas surpreendentes, os falsos finais e plena estilização das mortes, o que sempre foi uma tônica da série Dylan Dog, convenhamos. Tudo se adensa com a atuação cada vez mais chocante do “Homem Invisível”, cuja história serve como pano de fundo para as reflexões sobre identidade, desprezo, aceitação, culpa, justiça e a natureza humana. Sclavi utiliza a figura clássica da literatura gótica para explorar a dualidade entre o perceptível e o imperceptível, o real e o imaginário; fazendo com que o leitor tenha dois tipos de homens efêmeros para suspeitar.

Casertano complementa perfeitamente a atmosfera criada por Sclavi neste volume, com uma composição de quadros rica em detalhes e contrastes, cheia de ângulos incomuns, dando vida a uma Londres hostil e quase abandonada (gosto muito da reprodução que ele faz de Nighthawks, de Edward Hopper), intensificando a sensação de claustrofobia e apreensão. As expressões faciais, carregadas de emoção, revelam o pavor das vítimas, a angústia de Dylan Dog em sua busca por respostas e a loucura crescente do assassino, vista em suas atitudes, não no rosto, que está sempre oculto… ao menos no desenvolvimento da aventura. A tentativa de barrar tudo isso começa com a contratação de Dylan Dog pela “autônoma” Bree Daniels, e nesta edição temos uma das mais frustrantes investigações do Detetive do Pesadelo, que parece um bobo inexperiente, andando para todos os lados, chegando atrasado nos chamados e não tendo a mínima ideia para onde deve guiar suas suspeitas. Há um momento em que ele acerta um palpite, age por instinto e, como consequência, acaba “perdendo” o acusado, sendo engolido pela falta de provas. 

A combinação perfeita entre roteiro inteligente, arte envolvente e temas que (infelizmente) nunca perdem a relevância, faz desta história uma leitura emotivamente difícil e também fascinante, em termos de entretenimento. Mesmo que existam alguns componentes anticlimáticos no desenvolver da história (todos ligados à revelação do assassino e suas cópias) entendemos que o autor queria mergulhar nesse lado sombrio de situações criminosas, onde o verdadeiro culpado é pego rapidamente, mas outros infames seguem os seus passos e continuam a trilha de sangue e terror, muitas vezes, adotando o mesmo alvo. É uma narrativa cheia de boas surpresas e mudança completa de rumos, deixando o leitor inquieto e curioso do começo ao fim, sem tirar da narrativa o seu caráter epistolar, prometido no título e cumprido pelo ótimo roteiro. 

Dylan Dog – Vol. 19: Memórias do Invisível (Memorie dall’invisibile) — Itália, abril de 1988
Roteiro: Tiziano Sclavi
Arte: Giampiero Casertano
Capa: Claudio Villa
No Brasil: Dylan Dog n°3 (Editora Conrad, 2002)
100 páginas

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