Home LiteraturaConto Crítica | A Gangue da Mão Negra e O Andarilho no Sótão, de Edogawa Ranpo

Crítica | A Gangue da Mão Negra e O Andarilho no Sótão, de Edogawa Ranpo

Nem tudo é o que parece.

por Luiz Santiago
32 views

Neste pequeno compilado, trago críticas para dois contos do escritor japonês Edogawa Ranpo, ambos lançados no ano de 1925. Nos dois casos, temos eventos misteriosos resolvidos pelo detetive amador criado por Ranpo, o sutil e assertivo Akechi Kogoro.

.

A Gangue da Mão Negra

Apesar de apresentar uma narrativa previsível, em certos aspectos, A Gangue da Mão Negra consegue prender a atenção do leitor pelo mistério (comum, mas instigante) que Edogawa Ranpo coloca em cena. O sequestro de uma jovem de posses pela tal “Gangue” é o grande ponto de virada aqui, fazendo com que o narrador traga o colega Akechi Kogoro para tentar resolver o caso. Como sempre, em se tratando de Ranpo, a caracterização dos personagens é concisa e eficiente. O autor não se perde em longas descrições, conseguindo delinear personalidades e trazer as informações necessárias que servem como pistas para a investigação – afinal, o sequestro parece demasiadamente imperfeito, apontando para diferentes possibilidades de abordagem, o que poderia confundir a polícia (se fosse envolvida), mas não o enigmático Akechi Kogoro.

O conto, no entanto, não desenvolve apenas o seu lado de narrativa policial, como deveria, mas revela também uma chateante subtrama romântica. Apesar de não ser o foco principal do texto, a presença do amor confere à história um lado mais convencional, menos interessante para o leitor. Ranpo tenta contornar essa superficialidade com elementos internos mais complexos e inesperados, com “tramas dentro de tramas”, mas não consegue muita coisa com isso. Apesar de o produto, no todo, ser bom, não logra alcançar um alto nível de engenhosidade, ficando apenas levemente acima da média.

A Gangue da Mão Negra (Kurotegumi / 黒手組) — Japão, 1925
Autor: Edogawa Ranpo
Edição lida para esta crítica: Editora Litera, setembro de 2022
Tradução: Victor Ferreira
36 páginas

.

O Andarilho no Sótão

O Andarilho no Sótão foi o último conto de uma série de cinco que Edogawa Ranpo publicou em 1925. Na obra, conhecemos Gohda Saburou, um jovem entediado que busca refúgio em “imitações criminosas” para preencher o vazio que sente em sua vida, onde nada lhe faz feliz por muito tempo. A frequente procura por excitação leva-o a bisbilhotar a vida dos vizinhos por um buraco no sótão da pensão onde reside. De cara, o leitor está diante de uma situação de fragilidade da privacidade num ambiente aparentemente seguro, trazendo grande incômodo – sentimento que o autor consegue explorar muito bem no decorrer do conto. O protagonista é construído com maestria: um indivíduo apático que encontra no crime uma válvula de escape para a monotonia da vida, transformando-se num voyeur dos dramas alheios… até encontrar o seu alvo e começar a planejar o crime. Embora a história não se desenvolva com a mesma qualidade do personagem — Ranpo demora para trazer as pequenas compensações do suspense –, ainda se trata de uma baita trama.   

Embora esteja centrado em Saburou, o conto ganha uma nova camada com a entrada de Akechi Kogoro. Ainda que discreta, sua presença é fundamental para desvendar o mistério e expor as motivações do assassino usando de artimanhas psicológicas (como uma boa armadilha, por exemplo) para levar Gohda à confissão. Em seu exercício de investigação, Kogoro demonstra que mesmo os crimes mais elaborados deixam rastros, contrariando a impressão do assassino metido a esperto que acreditava que nunca seria pego. A relação entre os dois personagens vira um jogo intelectual de gato e rato, embora o texto não crie, em cima dessa interação, uma frenética ação de caça. Os métodos de Kogoro são cuidadosos e simples, até porque ele sabia com quem estava lidando e não queria espantar o infame voyeur.

A atmosfera soturna e o suspense psicológico em O Andarilho no Sótão escrutinam a mente e os sentimentos de Saburou, fazendo com que o leitor viva um pouco da obsessão e da plena apatia que o personagem ansiava aplacar. Talvez haja uma entrelinha sobre uma possível doença emocional/mental do personagem, mas o texto não avança para este lado não. Apesar da temática meio macabra, a narrativa flui com leveza, sem apelar para o grotesco, terminando com o triunfo da justiça, obtido por um ardil de um grande investigador amador.

O Andarilho no Sótão (Yaneura no Sanposha / 屋根裏の散歩者) — Japão, 1925
Autor: Edogawa Ranpo
Edição lida para esta crítica: Editora Litera, outubro de 2023
Tradução: Victor Ferreira
46 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais