O lendário Roger Corman inegavelmente merece aplausos pelo que conseguiu fazer ao longo de sua longeva e prolífica carreira no Cinema. Sua capacidade inventiva era sem limites, especialmente suas estratégias totalmente fora da caixinha para gastar pouco e faturar muito sempre fora do esquema tradicional hollywoodiano depois que ele teve experiências decepcionantes por lá. E, nesse processo, ele deu oportunidades a variados futuros grandes cineastas, um deles ninguém menos do que Francis Ford Coppola, que teve seu primeiro crédito (de produtor associado, não de diretor, já que o “diretor” é o inventado Thomas Colchart) em tela com Batalha Além do Sol, minha tradução literal para Battle Beyond the Sun, já que o longa (ou pouco mais do que um média-metragem) não ganhou título oficial em português.
Mas, antes de falar de Coppola, é necessário falar de Corman e sua inigualável capacidade de comprar produtos audiovisuais, reempacotá-los e revendê-los como se ele os tivesse produzido do começo ao fim, algo que já abordei quando fiz a crítica de Viagem ao Planeta das Mulheres Selvagens. Aproveitando-se de uma pujante produção cinematográfica da União Soviética, Corman obtinha os direitos sobre diversas obras de gênero, especialmente ficção científica – ou film fantastika como eram chamados por lá – para distribuí-los nos EUA, o que, claro, carrega uma ironia sem limites considerando a Guerra Fria a todo o vapor. No entanto, apenas distribuir os filmes não era possível na época, já que, assim como faziam os americanos, grande parte da produção soviética era formada de filmes com mensagens ideológicas contra seus rivais. Além disso, Corman não queria deixar entrever que os filmes não eram americanos. A solução? Simples: contratar jovens roteiristas, diretores, músicos, atores de voz e assim por diante em começo de carreira para alterarem o material importado, americanizando-os completamente.
Nebo Zovyot, ou, em tradução, literal, O Céu Acena, foi uma das “vítimas” dessa estratégia brilhante de Corman que contratou então Jack Hill e Francis Ford Coppola para a tarefa de remontar o filme de forma que ele “parecesse” americano ou, pelo menos, não soviético. E, se o longa original já era uma produção B sobre a corrida espacial para chegar à Marte (explícita no original, “disfarçada” na versão americana) o resultado transformativo é inclassificável, pois é evidentemente uma divertida – por vezes hilária – mixórdia sem sentido com diálogos básicos e dublagem horrível, efeitos especiais com clara variação de qualidade e uma infinidade de outros pequenos elementos que fazem de Batalha Além do Sol e diversos outros títulos vindos da antiga-URSS por Corman e outros produtores quase que uma indústria audiovisual à parte, uma verdadeira curiosidade cinematográfica de uma era.
Hill e Coppola, além de remontar o filme de acordo com o roteiro refeito, precisavam filmar algumas outras cenas para inserir na história, aqui, especificamente, as sequências com o “monstro espacial” que inexiste no original e, claro, apagar tudo o que estivesse escrito em cirílico ou que de alguma forma remetesse à União Soviética (é curioso como a estrela vermelha na nave principal foi mantida), tudo isso com um orçamento de centavos, logicamente, talvez a maior característica da carreira de Corman, que sabia mais do que ninguém aumentar o valor de compra de cada dólar investido. Diria que, na categoria “limpeza de elementos soviéticos”, a dupla contratada fez um trabalho muito bem feito, com exceção da citada estrela. Já na categoria “monstro espacial”, o resultado é patético, mas um patético do tipo “tão ruim que é bom” que acrescenta à mística que um primeiro filme de carreira costuma ter e que cria a abissal diferença entre os efeitos especiais originais (até muito consistentes, vale dizer) e os usados nos EUA (bem inferiores).
E, com um filme soviético transformado em americano pelo tino comercial inigualável de Roger Corman, Francis Ford Coppola teve sua primeira chance na concorrida e difícil carreira do Cinema, chance essa que, como sabemos, ele não desperdiçou, criando alguns dos maiores clássicos da extensa filmografia de seu país. Nada como um começo humilde e pitoresco para formar mentes criativas, não é mesmo?
Obs: Francis Ford Coppola é famoso por seu nepotismo, ou seja, por contratar parentes para seus filmes ou facilitar a entrada deles na indústria cinematográfica. E essa sua característica vem desde Batalha Além do Sol, já que, por seu intermédio, seu pai, Carmine Coppola, obteve seu primeiro trabalho como compositor de trilha sonora, assinando como Carmen Coppola e levando o bizarro crédito de “música especial”.
Batalha Além do Sol (Battle Beyond the Sun – EUA, 1962)
Baseado em: Nebo Zovyot (O Céu Acena, em tradução literal), de 1959
Direção: Mikhail Karyukov, Aleksandr Kozyr (versão original), Jack Hill, Francis Ford Coppola (sequências adicionais – como Thomas Colchart)
Roteiro: Mikhail Karyhukov, Yevgeni Pomeshchikov, Aleksei Sazonov (versão original); Nicholas Colbert, Edwin Palmer (versão americana)
Elenco: Ivan Pereverzev, Aleksandr Shvorin, Konstantin Bartashevich, Gurgen Tonunts, Valentin Chernyak, Viktor Dobrovolsky, Aleksandra Popova, Taisiya Litvinenko, Larysa Borysenko, Lev Lobov, Sergey Filimonov, Marina Samojlova
Duração: 64 min.