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Crítica | Eu, TARDIS – Memórias de uma Caixa Azul Impossível, de Stephen Cole

Uma revisão completa da série... pelos olhos da nave do Doutor.

por Luiz Santiago
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É possível encontrar todo tipo de livro no Universo de Doctor Who. De abordagens culinárias até incríveis organizações da timeline geral da série, de antes da criação dos Universos e realidades possíveis até o momento mais recente do show (como naquela obra-prima, infelizmente pouco atualizada, chamada AHistory: An Unauthorized History of the Doctor Who Universe), a BBC e as editoras parceiras sempre brincaram com aquilo que dá identidade à série: a sua capacidade de constante transformação somada ao leque imenso de possibilidades dramáticas que ela oferece. Dentre esses milhares de publicações, os manuais ou livros-de-bastidores acabam sendo um xodó dos whovians mais curiosos, mais exigentes e mais ansiosos por informações extras e criativas da série. O meu primeiro contato com esse gênero na esfera whovian foi com o maravilhoso Who-ology: The Official Miscellany (2013), obra que traz respostas, curiosidades, análises, mistérios e perspectivas sobre o programa como um todo… algo na linha do que faz este Eu, TARDIS – Memórias de uma Caixa Azul Impossível (2024).

Escrito por Stephen Cole, um veterano nas produções literárias e em áudio de Doctor Who, Eu, TARDIS é um ótimo livro híbrido. Classifico-o assim porque cada início de capítulo traz algo similar a um conto (aqui, o gênero é propositalmente mesclado com uma perspectiva de “diário” ou “relato“) onde a nave introduz o leitor a cada grande momento da jornada do Senhor do Tempo; e faz isso de An Unearthly Child (1963) até Ladino (2024), embora, em se tratando das aventuras com o 15º Doutor, a exploração verdadeiramente detalhada — nos moldes utilizados em todo o volume — vá até A Igreja da Rua Ruby (2023). As citações feitas daí para frente são rápidas, apenas como um “olhar para o futuro” que a TARDIS consegue ter e compartilhar com o leitor — e não, o livro não deu spoilers da série. Ele foi lançado oficialmente em 11 de julho de 2024, enquanto a 1ª Temporada da Segunda Nova Série terminou em 22 de junho, pouco mais de um mês antes.

A grande estrela do livro é, de fato, a TARDIS, e isso impressiona, porque não é fácil criar um projeto que faz uma verdadeira revisão + resumo + discussões e adição de curiosidades apenas utilizando o meio de transporte do protagonista e seus companheiros, a quem a narradora chama de “errantes“, dando apelidos muitíssimo curiosos a todos, desde os primeiros: Ian é “o professor“; Barbara é a “Srta. História“; Vicky é a “Nova Susan“; Steven é o “Garoto Panda“; Dodo é a “Susan Desdenhosa” e assim por diante. É uma abordagem que faz a gente rir a cada bloco de páginas, porque a TARDIS tem um humor seco, de múltiplos sentidos, às vezes inesperadamente maldoso, numa linha de comicidade britânica que, nas produções expandidas, só vejo ser abordada nos livros de Paul Magrs. Em se tratando da série, digamos que parte da Era do 4º Doutor também se encaixa nessa proposta, muito embora nada se compare à liberdade e ao humor tipicamente britânico que vemos nos roteiros da fantástica As Aventuras do Quarto Doutor, produzida pela Big Finish desde 2012.

O que não gosto deste projeto é a sua estrutura organizacional. Entendo o pensamento do autor para seguir este caminho, mas acredito que, com ele, interrompe-se constantemente o ritmo de leitura, gerando pequenas decepções. Primeiro atravessamos um bloco com pessoas e curiosidades gerais de cada Doutor… e adiante, uma parte só com viagens e detalhes pouco lembrados ou até desconhecidos daqueles eventos já abordados. Isso dá ao volume uma característica que, lá para o final da obra, irrita o leitor. A cada novo capítulo (ou “gravação“, como são chamados — lembre-se: que estamos lendo relatos de uma nave!) somos convidados a pensar sobre a própria essência da nave, como o fato de ela ter escolhido ser roubada pelo Doutor, e não o contrário (Stephen Cole finge que a Clara de The Name of the Doctor não existiu); ou coisas muito bacanas como a pergunta “se Susan inventou o nome TARDIS em inglês, como ele acabou sendo dado a qualquer outra nave espaço-temporal gallifreyana?“.

Essas curiosidades e piscadelas para o público tornam a obra muito interessante de se ler, adicionando lenha na fogueira com informações que a gente precisa se preparar bastante para aceitar ou mesmo alinhar com a parte televisionada e expandida. É apenas ruim o fato de transitarmos de uma abordagem humana para uma repetição dos mesmos eventos mirando o espaço geográfico e as consequências da viagem; mas isso se torna meramente um detalhe aborrecedor com o qual conseguimos lidar bem, face à ótima proposta e execução dos doze capítulos da obra. Eu, TARDIS é uma produção engraçada, cheia de informações muito legais sobre a série, sobre a nave do Doutor e uma maneira peculiar de revisitar 60 anos de programa. Creio, porém, que este é, acima de tudo, um louvor às pessoas que fizeram parte de sua história e viajaram na nave ao longo de todos esses anos. Uma ode cômica e às vezes ácida à pluralidade de vida no Universo, ao espírito aventureiro e rebelde, e à necessidade de um idiota de bom coração com uma nave que o leva para onde ele precisa ir.

Eu, TARDIS – Memórias de uma Caixa Azul Impossível (I, TARDIS: Memories of an Impossible Blue Box) — Reino Unido, 11 de julho de 2024
Autor: Stephen Cole
Editora original: BBC Books
305 páginas

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