Home Colunas Entenda Melhor | Cinema e Psicanálise: Lições de Dramaturgia em De Olhos Bem Fechados

Entenda Melhor | Cinema e Psicanálise: Lições de Dramaturgia em De Olhos Bem Fechados

Pulsões de Vida e Morte.

por Leonardo Campos
70 views

No terreno da ficção, existe a escrita mais direta e óbvia, que aqui eu poderia chamar de objetiva, textos que vão direto ao ponto, sem deixar de ter significado e valor enquanto arte. Por outro lado, há a escrita que denominamos subjetiva, que pode versar sobre tudo que há no esquema da objetividade, mas de maneira que preenche a sua tessitura de alegorias, onde o que precisa ser dito está lá, porém, abaixo da superfície. É assim que observo De Olhos Bem Fechados. Um filme dominado pela subjetividade e tecido por meio da escrita ficcional psicanalítica, uma abordagem que não se limita a uma simples narrativa fictícia, isto é, um tipo de texto onde os personagens, enredos e simbolismos não são apenas construções dramáticas, mas também representações das complexidades da mente humana. Ao incorporar elementos da psicanálise, como os conceitos de inconsciente, complexo de Édipo, sonhos e memórias reprimidas, pulsões de vida e morte, dentre outros, tal escrita fica imbuída de um caráter mais profundo e enigmático. É esse o tipo de escrita adotada em De Olhos Bem Fechados, escrito e dirigido por Stanley Kubrick, numa parceria com Frederic Raphael, dramaturgo que teve o seu texto diversas vezes modificados pelo cineasta, figura que chegou ao ponto de dizer publicamente, e escrever um livro sobre isso, alegando que o produto final quase não tem mais nada de seu, numa crítica ao ato obsessivo de composição do renomado, mas circunspecto e enigmático cineasta.

A própria concepção do filme, do lado de cá, da realidade, parece um intenso mergulho nas complexidades desse terreno de interpretação do comportamento e da mente humana. Ao longo do roteiro que contemplamos em ação no filme, esses conflitos e dinâmicas psicológicas são explorados e representados de forma sutil e metafórica, oferecendo aos espectadores várias reflexões sobre a complexidade da natureza humana. É uma narrativa que promove a reflexão e a introspecção do público, mas sofre ao confrontar temas e questões psicológicas dos personagens, diante de suas motivações e dilemas internos, por meio de um ritmo monótono e distante das agilidades da estética comercial, mais frenética e que diz (e muitas vezes não diz) o que tem de ser dito em tons frenéticos. Diante desse panorama, De Olhos Bem Fechados não é apenas um enigma a ser decifrado enquanto narrativa cinematográfica repleta de simbolismos e discursos imbricados. Stanley Kubrick, um dos cineastas mais renomados e influentes da história do cinema, não deixou de lado o seu estilo único e inovador ao compor essa fábula que se adensa profundamente nas instabilidades da mente humana. O exigente realizador transcendeu gêneros e épocas, deixando uma marca inconfundível na linguagem do cinema. Seu último filme é o ponto central dessa lição de dramaturgia focada na subjetividade de um texto cinematográfico, bem como na importância da compreensão acerca da teoria da tradução intersemiótica, iniciada lá no desfecho das Lições de Dramaturgia em O Exorcista.

Conhecido por sua meticulosidade e perfeccionismo, em linhas gerais, a sua abordagem ao compor imagens sempre foi multidimensional, combinando narrativas complexas com uma estética visual marcante. Ao analisar panoramicamente, percebemos que permeando todas as suas obras, podemos encontrar debate sobre a busca pela verdade, a exploração da condição humana, bem como complexas questões existenciais e morais. Tudo isso, juntamente ao que é mais marcante em sua contribuição para a evolução do cinema enquanto arte no século XX: a sua exploração cuidadosa da linguagem visual do cinema. Seus planos-sequência elaborados, composições simétricas e uso criativo da luz e sombra contribuem para a construção de um mundo cinematográfico único e imersivo. Além disso, Kubrick era mestre na utilização da trilha sonora para acentuar o clima emocional de suas cenas, criando uma experiência sensorial envolvente para o espectador, sendo esse um dos elementos essenciais que transformaram De Olhos Bem Fechados num curioso enigma cinematográfico, dominado pela atmosfera onírica e subjetiva de seu roteiro.

A habilidade de Kubrick em manipular o tempo e o espaço através da montagem é outro aspecto fundamental de seu estilo. Suas transições fluidas, uso inovador de cortes e ritmo narrativo preciso conferem às suas obras um ritmo hipnótico e uma tensão submersa que mantém aqueles que se dedicam aos seus filmes, mergulhados em obras-primas atraentes tanto visual quanto dramaticamente. Ademais, a ambiguidade moral de muitos de seus personagens e narrativas também é uma característica marcante de seu estilo. Kubrick evita julgamentos simplistas ou situações banais em suas narrativas. Em vez disso, apresenta dilemas morais complexos e deixa espaço para interpretações divergentes, o que estimula a reflexão crítica e a análise aprofundada de suas histórias. De Olhos Bem Fechados, por exemplo, foi lançado numa época de conforto para o cineasta, já devidamente respeitado e com cadeira cativa no âmbito do cinema, fonte de inspiração para outros artistas. Esse é um cenário que permitiu ao diretor, esticar o processo produtivo desse que seria o seu último filme. Longas tomadas, repetições exaustivas de cenas até se aproximar ao que era almejado em sua visão excêntrica de cineasta, dentre tantas outras curiosidades de bastidores tecem a história da produção no imaginário coletivo desde o seu lançamento em 1999. Mas esse texto, caro leitor, não é sobre essas peculiaridades. Aqui, vamos refletir sobre a subjetividade no roteiro e o processo de tradução da literatura para o cinema.

A tradução intersemiótica, também conhecida como tradução transmidiática ou intersemiótica, refere-se à transferência de uma mensagem de um sistema semiótico para outro, mantendo sua essência ou significado original. Ela envolve a recriação da mensagem em um novo código semiótico, como transformar um poema em uma pintura, um filme em uma peça teatral ou uma obra musical em um filme de dança. O termo foi cunhado por Jurij Lotman, um renomado teórico da semiótica, para descrever esse processo de transposição entre diferentes meios de expressão. A tradução intersemiótica tem suas raízes na noção de que a comunicação humana não se limita à linguagem verbal, mas abrange uma variedade de formas de expressão visual, auditiva e sinestésica. É uma abordagem emergiu no contexto da semiótica e da teoria da literatura do século XX, sendo amplamente influenciada pelos trabalhos de pensadores como Roman Jakobson, Mikhail Bakhtin e Roland Barthes. A busca por uma compreensão mais abrangente da interação entre diferentes linguagens artísticas e midiáticas levou ao desenvolvimento e refinamento da teoria da tradução intersemiótica ao longo do tempo. Em linhas gerais, a tradução intersemiótica desafia a dicotomia entre texto e contexto, linguagem e imagem, verbal e não verbal, questionando as fronteiras e hierarquias estabelecidas entre diferentes formas de expressão cultural. Ela enfatiza a multiplicidade de significados e a polissemia inerente às diferentes linguagens artísticas, promovendo uma abordagem mais holística e interdisciplinar para a interpretação e produção de obras culturais. Além disso, a tradução intersemiótica abre novas possibilidades criativas e interpretativas, permitindo a criação de sinergias inovadoras e experimentações estéticas que transcendem as limitações dos meios tradicionais, como é o caso do texto dramático em De Olhos Bem Fechados, assinado por Stanley Kubrick e Frederic Raphael, uma subversão do livro de Arthur Schnitzler.

Para saber mais sobre o assunto, sugiro ler Julia Kristeva, uma das teóricas fundamentais no estudo da tradução intersemiótica. Em sua obra La Révolution Du Langage Poétique, Kristeva introduz o conceito de intertextualidade como a interseção de diferentes discursos. Ela destaca a importância da intertextualidade na reconfiguração dos significados em diferentes contextos, abrindo caminho para a compreensão da tradução intersemiótica como um processo intrinsecamente intertextual. Outra referência fundamental é Roland Barthes, renomado semiótico e crítico literário, responsável por contribuir significativamente para o campo da tradução intersemiótica. Em obras como O Grau Zero da Escrita e Aula, Barthes explora a natureza dos signos e sua relação com a linguagem, fornecendo insights valiosos sobre os mecanismos de tradução entre diferentes sistemas semióticos. Ademais, temos Umberto Eco, conhecido principalmente por seu trabalho em semiótica e teoria da interpretação, uma figura que também ofereceu contribuições relevantes para a tradução intersemiótica. Em Os Limites da Interpretação, Eco discute a natureza aberta e polissêmica dos textos, ressaltando a importância da tradução como um ato interpretativo que transcende fronteiras linguísticas e modos de expressão.

Sendo assim, por ser um campo intrincado e estimulante, que desafia as fronteiras convencionais da tradução ao transitar entre diferentes sistemas semióticos, a tradução em questão foge da simplificação pela busca da “originalidade”, bem como das “essências”, transformando as possibilidades de relacionamento entre os textos compostos nas diferentes modalidades artísticas que consumimos cotidianamente. Ao tecer De Olhos Bem Fechados, os realizadores transformam um romance de época, situado em Viena, para a contemporaneidade dinâmica de Nova York. O ponto de partida está lá, que é a relação conjugal em crise e seus desdobramentos conflituosos, mas mudam os cenários e perspectivas, pois na tradução intersemiótica, a interpretação do leitor é levada em consideração. O filme de 1999 é uma leitura do livro de 1926. Leitura de Kubrick, com apoio de Frederic Raphael. Se fosse feito por você, que está lendo, as inserções, ajustes, no geral, o desenvolvimento seria outro, por isso a ideia de fidelidade é de uma superficialidade hedionda. O que podemos esperar, no mínimo, são correspondências. E só.

De Olhos Bem Fechados é um filme profundamente multifacetado e complexo, que funciona tanto como um thriller psicológico (lento) quanto uma meditação filosófica (avançada) sobre temas universais de desejo, poder e moralidade. É uma narrativa que desafia o espectador a olhar além da superfície, num entretenimento exigente. O roteiro retrata o que chamamos na dinâmica da composição ficcional de escrita subjetiva. Tudo apresentado em cena é passível de interpretação, mas as informações não são esmiuçadas para o espectador. Há uma redoma de mistério, dominada por enigmas. Baseado em Breve Romance de Sonho, de Arthur Schnitzler, publicado em 1926, a narrativa aborda temas complexos, tais como de sexualidade, desejo e a natureza das relações humanas. Como já mencionado, esse é o ultimo filme dirigido por Stanley Kubrick, que faleceu pouco antes de seu lançamento. Protagonizado por Tom Cruise e Nicole Kidman, ambos como Bill e Alice, respectivamente, contemplamos uma história de 150 minutos sobre personagens impulsionados a explorar um submundo de fantasia sexual e mistério após um momento de confissão gerar uma atmosfera de paranoia e incertezas.

Famoso por sua direção meticulosa e a composição obsessivamente detalhada das cenas, De Olhos Bem Fechados pode ter problemas em seu ritmo lento e metódico, haja vista a necessidade das plateias em narrativas de entretenimento velozes e furiosas, o que pode ser um ponto controverso para alguns espectadores, mas essa é uma escolha que serve ao propósito de intensificar a introspecção e a tensão psicológica da narrativa, sendo esse recurso uma base de seu ponto de partida literário. Em sua poderosa tessitura dramática, o roteiro retrata com esmero uma série de reflexões sobre a natureza humana, fidelidade e moralidade. O filme segue a história do casal formado pelo médico Bill Harford (Cruise) e sua esposa Alice Harford (Kidman). Eles vivem confortavelmente em Nova York e frequentam ambientes sofisticados, conforme o status social da família que ainda conta com uma única filha. Após uma conversa em que Alice revela ter tido fantasias sexuais com outro homem, Bill é consumido pelo ciúme e pela curiosidade sobre a sexualidade e a infidelidade. Antes, quando já temos estabelecido o primeiro ato, contemplamos Bill e Alice participando de uma festa elegante dada por um de seus pacientes ricos, Victor Ziegler (Sydney Pollack). Durante a festa, ambos têm interações de flertes charmosos com outras pessoas, o que abre terreno para a futura discussão sobre desejos e fidelidade. Após a revelação “perturbadora” de Alice, Bill embarca em uma jornada noturna pelas ruas de cidade. Ele revê antigas paixões, tem encontros com prostitutas, até que finalmente descobre uma sociedade secreta que encena elaborados rituais sexuais.

Assim, o médico consegue acesso a esse espaço usando a senha fornecida por um conhecido, Nick Nightingale (Todd Field). Ele tem acesso a uma mansão onde ocorre uma cerimônia sensual e misteriosa. Sua presença é notada e acaba sendo identificado como intruso, colocando-o em uma situação perigosa. É quando as consequências se estabelecem: depois de sua experiência perturbadora na mansão, Bill se torna paranoico e começa a desconfiar que está sendo perseguido. Edição, trilha, enquadramentos e design de produção, unificados, nos passam a mesma sensação angustiante. Ele investiga as ligações e mortes suspeitas em torno desses eventos, questionando a realidade e a segurança de sua própria vida. Na evolução de sua jornada, “um Bill” confuso confessa a sua noite de aventuras para Alice e percebe a fragilidade de seu relacionamento. Assim, a revelação de segredos obscuros de uma sociedade elitista e os próprios desejos e medos internos do casal moldam um novo entendimento entre os dois. Dentre as possíveis interpretações do texto dramático escrito em parceria com o roteirista de Frederic Raphael, podemos observar uma narrativa que retrata questões como a exploração dos desejos íntimos, ao passo que a jornada dos protagonistas se adensa profundamente na sexualidade humana e as múltiplas facetas de cada individuo. A confissão de Alice é um catalisador para a odisseia de Bill por suas próprias fantasias e ciúmes, levantando questões sobre a natureza dos pensamentos eróticos e suas implicações na moral e no casamento. É o estabelecimento das possíveis leituras psicanalíticas do roteiro, em especial, o conceito de Eros e Tânatos.

Termos da psicanálise, desenvolvidos por Sigmund Freud, Eros representa a energia de vida, o impulso que nos leva a buscar a sobrevivência, reprodução, prazer e vínculos sociais. Já Tânatos simboliza a energia de morte, a tendência para a autodestruição, agressão e instintos destrutivos. Esse equilíbrio entre Eros e Tânatos, entre o impulso de vida e o impulso de morte, é fundamental para a compreensão da psique humana e das narrativas ficcionais que exploram esses conceitos, como é o caso do desenvolvimento dramático em De Olhos Bem Fechados. Ao aplicar os conceitos de Eros e Tânatos em narrativas ficcionais, os escritores muitas vezes criam personagens complexos e situações desafiadoras que refletem a dualidade existente na natureza humana. Personagens como Bill Harford, que lutam contra seus próprios desejos e impulsos autodestrutivos enquanto buscam amor, felicidade ou redenção. O protagonista, após uma aparentemente simplória revelação de sua esposa, passa a ser atormentado por impulsos contraditórios de autoafirmação (Eros) e autodestruição (Tânatos), o que o leva a se aventurar por situações enigmáticas durante algumas noites. São mortes sem a devida explicação, sumiços misteriosos e dúvidas que geram paranoias constantes. Ao longo do filme, a presença de Eros e Tânatos nos permite interpretar que diante de suas contradições internas, desejos ocultos e medos mais profundos, os personagens passam a confrontar as sombras de suas próprias psiques e a questionar a complexidade das coisas que supostamente são rotineiras em seus respectivos cotidianos, nesse caso, o dia-a-dia do casal Harford, abalado em suas certezas depois que a matriarca da família expõe seus desejos reprimidos.

Ao debater o tema, podemos utilizar também os termos pulsão de vida e a pulsão de morte, estabelecidos na teoria psicanalítica de Sigmund Freud. A teoria das pulsões, ou instintos, desempenha um papel central na compreensão do funcionamento psíquico e do comportamento humano. Como descrito no parágrafo anterior, a pulsão de vida, ou Eros, representa a energia psíquica associada à preservação da vida, à busca de prazer e à tendência de unir e construir relações. Freud descreveu Eros como a força motriz por trás dos desejos de amor, criatividade e crescimento. Por outro lado, a pulsão de morte, ou Tânatos, representa a energia ligada à destruição, à agressão e à tendência de retornar a um estado inorgânico. Freud postulou que existe uma constante luta entre Eros e Tânatos dentro do indivíduo, influenciando seu comportamento e seus conflitos emocionais, como podemos ver perfeitamente na dinâmica dramática de Bill ao longo do desenvolvimento em De Olhos Bem Fechados. O roteiro, reescrito e readaptado numerosas vezes pelo inconstante Stanley Kubrick, algo que irritou Frederic Raphael e ramificou farpas públicas entre a dupla, traz em seu cerne a interação entre a pulsão de vida e a pulsão de morte constantemente. Eros busca a união, a criação e a preservação da vida, enquanto Tânatos opera na direção oposta, buscando a separação, a destruição e a morte. Essas forças opostas coexistem no psiquismo humano, criando um constante conflito interno que molda a personalidade e o comportamento. Mesmo que no final Eros se faça presente e defina o desfecho da trajetória de Bill e Alice, Tânatos os ronda durante o filme inteiro.

As pulsões de vida e de morte podem ocorrer de diversas maneiras na vida cotidiana. Por ilustração, para alcançar todos os níveis de leitores por aqui, exemplifico: o impulso de se apaixonar e formar laços afetivos com outras pessoas reflete a ação de Eros, enquanto sentimentos de agressão, autodestruição ou comportamentos de risco podem ser vistos como manifestações de Tânatos. A psicanálise busca compreender essas manifestações e os conflitos subjacentes que as alimentam, buscando promover a harmonia e o equilíbrio psíquico. É importante, por sua vez, ressaltar que, na teoria freudiana, Eros e Tânatos não são conceitos antagônicos, mas sim complementares. A interação entre essas duas forças opõe-se a uma visão dualista do ser humano, que não se limita a uma dicotomia entre vida e morte, amor e ódio, construção e destruição. Ao contrário, Freud propõe que a coexistência e a integração dessas forças opostas são essenciais para a saúde mental e emocional do indivíduo. No filme, o que faz o mundo de Bill ruir por alguns perigosos instantes é justamente o desequilíbrio de ambas as partes. Munido de sua segurança e dotado de certezas, sua concepção de relacionamento com a esposa é minada nas revelações das longas linhas de diálogo de Alice, algo que o mergulha num mar de incertezas: “se sou médico, bonito, bem-sucedido e outras características desejáveis na sociedade de consumo e do apego ao sucesso financeiro e social, por qual motivo a minha esposa desejaria outro cara?”. É mais ou menos assim que ele pensa e segue a sua rotina diária, mas pego de surpresa, leva um solavanco e adentra numa redoma de paranoia.

Há também um instigante jogo dual de culpa e moralidade na jornada de Bill, em especial, quando o personagem se depara com um mundo oculto e decadente que o faz questionar não só os limites da sua integridade, mas também os da sociedade ao seu redor. Ademais, sob a direção de Kubrick, o roteiro é eficiente ao tratar de disparidades sociais e “poderes secretos”, quando estabelece uma crítica sutil à elite, apresentando uma sociedade secreta cujas práticas sexuais e rituais macabros são protegidos pelo poder financeiro e social. Essa elite parece estar acima da lei, desafiando as noções de justiça e igualdade, algo que aumenta cada vez mais as doses generosas da tensão evolutiva do suspense. Ademais, temos ainda um curioso culto ao que é “socialmente misterioso”, pois a extensa passagem da orgia mascarada é carregada de simbolismo, representando não apenas a libertinagem, mas também o poder e o controle que a elite exerce através do segredo e do medo. Ao longo do livro Conversas com Kubrick, o crítico de cinema Michel Ciment apresenta aos leitores alguns detalhes sobre o processo de composição narrativa em De Olhos Bem Fechados, com uma passagem específica para o roteiro de Frederic Raphael. Para melhor compreender as lições de dramaturgia na trama, selecionei alguns trechos para você, caro leitor, logo abaixo. Creio que também seja interessante conferir a análise do já mencionado Breve Romance de Sonho, de Arthur Schnitzler.

Aparentemente pernóstico, mas verdadeiramente incompreendido por espectadores e críticos apressados, De Olhos Bem Fechados é uma obra-prima do cinema, tão enigmático quanto as histórias que envolvem os seus bastidores de produção. Confira e tire você as suas próprias conclusões, combinado?

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais