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Crítica | The Boys – 4X06: Dirty Business

Cinquenta Tons de Hughie.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas de todo o material desse universo.

Serei tão óbvio, direto e didático quanto Eric Kripke: não consigo gostar muito quando obras de ficção saem do terreno da sátira e da crítica inteligente e passam a fazer a mímica exata do mundo real. Parece-me uma escolha preguiçosa, que nivela tudo por baixo e retira do espectador aquela coisinha chata e irritante que pode ser chamada de “habilidade de pensar”. E essa, infelizmente, tem sido a tônica de toda a quarta temporada da série, em que aquilo que qualquer um com um mínimo de capacidade cognitiva era capaz de enxergar, passou a ser entregue de bandeja, sem exigir qualquer tipo de esforço mental. Pode parecer bom para fazer com que as pessoas que achavam uma coisa da série acordem para a realidade dos fatos, mas tenho para mim que focar na minoria para imbecilizar a diversão da maioria é uma escolha muito equivocada.

Desopilado o fígado e aceitando – com hesitação – que esse é um caminho inevitável na cabeça do showrunner, Negócio Sujo foi mais um bom episódio da temporada, um realmente bom episódio, devo frisar e não um “apenas bom”, mostrando que essa segunda metade tem o potencial de redimir, pelo menos parcialmente, a modorrência que foi a primeira. Em linhas gerais, o que realmente funciona, aqui, é que quase toda a ação se passa em apenas um lugar, a Mansão Wayne, digo a Mansão Vernon, em que uma reunião secreta conspiratória e golpista entre parte dos Sete e os mandachuvas dos EUA acontece, com os personagens, portanto, convergindo para apenas um local e lidando com um narrativa comprimida única ou, se preferirem, dois lados da mesmíssima moeda, um politicamente doentio e outro sexualmente doentio.

Nesse ambiente que, claro, parodia Batman e personagens semelhantes ao utilizar com bastante detalhes a contrapartida do Homem-Morcego desse universo, Robert Vernon, o Tek-Knight, vemos, no salão de festas, o plano maligno – mas muito real – de Mana Sábia, Capitão Pátria e Victoria Neuman de usar a Constituição americana para legitimar um golpe de estado e colocar Victoria no poder, com as prisões particulares de propriedade de Vernon – cuja família foi traficante e dona de escravizados, em uma bem sacada construção – como repositórios de vozes dissidentes para efetivamente criar um governo semelhante ao que podemos ver em O Conto da Aia, só que com super-heróis. Gostei muito de como a narrativa é desenvolvida de maneira a usar o ponto fraco (ou forte, dependendo de como você interpretar) de Mana Sábia que, fora de combate, exige que o despreparado Capitão Pátria tenha que balbuciar para responder perguntas dos conspiradores ao redor, somente para Neuman tomar a frente e mostrar suas garras.

É muito possível que as mesmas pessoas que não compreenderam a série desde o começo rolem os olhos em descrédito ao notar o quanto o Capitão Pátria é incompetente, não mais do que um papagaio que repete o que lhe é dito e o quanto ele é facilmente controlado por mulheres. Mas nossa, isso sempre foi assim. Apesar de super forte, Pátria nunca mostrou traços relevantes de inteligência, pois ele é o arquetípico valentão mimado que vive de sua imponência e não de seu cérebro. Além disso, não é sem querer que, metaforicamente, ele tem um prazer edipiano ao beber leite materno, além de sua necessidade patológica de aprovação que não, não foi embora na suposta catarse violenta no subsolo da Vought, em Wisdom of the Ages. E, se alguém tinha alguma dúvida disso, o final em que Espoleta, que sempre se fez de caipira sexy e burra, mostra o quão inteligente e manipuladora é ao revelar que passou por um tratamento de longo prazo para poder gerar leite sem estar grávida unicamente para fazer do Pátria a sua poderosa marionete.

Falando em subsolo da Vought, o outro lado da moeda do episódio acontece na Tek-caverna que nada mais é do que um salão com aparatos sadomasoquistas que fariam inveja a Christian Grey e onde Vernon tem um sidekick de roupa de látex vermelha acorrentado na parede e um mordomo afrodescendente que é também sua figura paterna ou, claro, a reafirmação de que ele é, ainda, como seus antepassados, um feitor de escravos. Ver Hughie, disfarçado com o uniforme do Amigão da Vizinhança Tece-Teia – antes dopado retalmente por MM em uma cena nojenta, mas hilária – e tendo que aceitar a humilhação usando o linguajar do super cuja identidade ele tomou, é um dos ótimos momentos da série como um todo. Sim, é difícil de ver Ashley e Robert fazerem o que aparentemente fazem com frequência, mas, aqui, a pegada explícita é plenamente justificada, como Kripke sempre justificou em temporadas anteriores, mas teve dificuldade na quarta. Como a alegoria dos dois lados da moeda que usei indica, o que vemos, na caverna, é uma espécie de reflexo sem máscara, sem pudor e sem freios daquela fleuma falsa e doentia que acontece no andar principal da mansão. É a podridão da mente daqueles que mandam no mundo ganhando representação audiovisual.

Mas o melhor é que, em cima disso tudo, há muita diversão. Ver Annie genuinamente assumir os erros de seu passado perante Espoleta somente para drogá-la foi um momento excelente, assim como foi o ataque de pânico de MM, finalmente deixando claro que ele não tem capacidade de fazer aquilo que precisa ser feito. E, claro, a tortura de Hughie, que quase ganha um novo buraco, foi inspirada e inteligente por também refletir a dor que ele sente internamente pelo que teve que fazer ao seu pai, mesmo que ele inicialmente diga que está bem. Em Negócio Sujo, não só os personagens convergem, mas os roteiros também em um pacote coeso e único que se mantem bem estruturado do começo ao fim, sem fazer concessões a narrativas laterais repetitivas e sem perder o foco.

Antes que eu deixe de falar das cenas que ocorrem na Mansão Vernon, precisamos conversar sobre o Trem-Bala. Como eu disse outras várias vezes, eu detesto redenções forçadas, mas, olhando em retrospecto, mesmo considerando tudo o que ele fez, preciso reconhecer e louvar o esforço considerável de Kripke em levar o personagem por uma jornada legítima de mudança. Não, não acho que ele vai e não quero que ele sobreviva quando a poeira baixar, mas, de pouquinho em pouquinho, o personagem vem percebendo o mundo em que está e vem tentando fazer o pouco que acha que pode fazer para tentar sair da camisa de força em que se encontra. Além das ações a conta gotas que falam por si, sendo a da vez ele levando MM para o hospital e ganhando de presente o sorriso de uma criança que realmente o vê como um super-herói, temos o ambiente em que ele vive em que ele, um afrodescendente, mesmo parte do mais poderoso grupo de super-heróis do mundo, ainda sofre toda a sorte de preconceito de pessoas que nem sequer percebem que estão sendo preconceituosas. Ver Robert Vernon dizer que um antepassado de Trem-Bala provavelmente conheceu um antepassado dele é como uma apunhalada na barriga e isso é só a ponta do iceberg. Portanto, tenho para mim que Kripke vem fazendo por onde para mostrar que até os mais terríveis bandidos podem encontrar redenção.

No entanto, como disse, nem tudo se passa na Mansão Vernon. Há duas cenas fora desse ambiente que merecem ser discutidas. A primeira delas é a mais deslocada de todas, pois poderia acontecer em diversos outros momentos e, aqui, quebra um pouco a fluidez, que lida com a conversa entre um desmascarado Black Noir II com Profundo, em que o primeiro reclama que não pode fazer nada e que sequer gosta de violência, enquanto que o segundo mostra suas garras e basicamente diz que a violência é a resposta para tudo. Profundo pode parecer, talvez, o menos corrompido de todos entre os Sete, mas isso não é verdade. Ele apenas não teve oportunidade, ainda, de botar as manguinhas de fora, já que ele muito claramente é um pupilo do Capitão Pátria no sentido de querer seguir os passos do “chefe”.

A outra cena, claro, é a revelação daquilo que, ao que tudo indica, todo mundo vinha teorizando: Joe Kessler não existe; é apenas o fruto da mente carcomida de Billy Bruto que, de maneira semelhante, mas menos literal do que o pequeno Cole, consegue ver gente morta. Uau. Que revelação bombástica… Sério, isso foi um gigantesco bis in idem, em que aquilo que já sabíamos foi reiterado pelo fantasma de um amigo soldado morto, possivelmente abandonado para morrer por Bruto. Mas pelo menos não fizeram do momento uma grande revelação diante de diversos outros personagens, mas sim algo bem discreto, só mesmo envolvendo Bruto e a realização de que ele, em razão do Composto V, agora vive com um anjo e um demônio em seus ombros, como em um desenho do Tom & Jerry. Pelo menos o momento da revelação foi muito bem conduzido, com o próprio Kessler se traindo ao endereçar o fantasma de Becca diretamente. Agora é saber se isso terá alguma consequência prática direta, pois tenho minhas dúvidas se a epifania de Bruto mudará alguma coisa na história.

Negócio Sujo é mais um episódio na direção certa, mesmo considerando o didatismo emburrecedor de Kripke que desistiu de alegorias e metáforas e passou a abordar o mundo real diretamente. Se tudo correr bem, o quarto ano de The Boys poderá ter salvação ou, pelo menos, não será meramente uma perda de tempo repleta de tripas, sangue e explorações anais.

The Boys – 4X06: Negócio Sujo (The Boys – 4X06: Dirty Business – EUA, 03 de julho de 2024)
Showrunner: Eric Kripke
Direção: Karen Gaviola
Roteiro: Anslem Richardson
Elenco: Karl Urban, Jack Quaid, Laz Alonso, Tomer Capon, Karen Fukuhara, Antony Starr, Erin Moriarty, Chace Crawford, Nathan Mitchell, Colby Minifie, Claudia Doumit, Cameron Crovetti, Susan Heyward, Valorie Curry, Rosemarie DeWitt, Jeffrey Dean Morgan, Shantel VanSanten, Derek Wilson, Omid Abtahi, David Andrews, Tyrone Benskin, Dan Mousseau
Duração: 65 min.

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