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Crítica | Pepe (2024)

Narrações hipopotâmicas.

por Frederico Franco
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O hipopótamo Pepe, ainda em sua terra natal na África, começa a questionar sua própria existência e aquilo que o constitui enquanto ser pensante. O raciocínio proposto pelo animal ocorre próximo ou após sua morte pelas mãos de uma milícia na Colômbia. Assim como em Animal Político, filme do brasileiro Tião, Pepe parece introduzir racionalismo em seu protagonista semi-racional para explorar os absurdos das relações humanas a partir de um olhar ao mesmo tempo distante, mas parte central de dinâmicas com seres humanos. O que distancia as obras, primordialmente, é a incapacidade que Nelson Carlos de los Santos de imprimir humor e carisma em seu hipopótamo, desenvolvendo um protagonista muitas vezes tedioso e pouco interessante. Pepe tinha tudo para ser um personagem principal emblemático, já que não é simplesmente um ser vivo qualquer: trata-se de um dos animais que, em 2009, fugiram do zoológico particular de Pablo Escobar. No entanto, nem essa característica central do personagem principal parece dar vida ao cansativo Pepe apresentado pelo diretor do filme. 

A narração desenvolvida por Santos Arias é um capítulo à parte. O hipopótamo é narrado por várias vozes, muitas vezes mesclando idiomas, mas nem de longe a construção de sua identidade funciona como elemento dramático funcional. Pepe é construído por meio de uma tediosa verborragia, beirando o sonolento, que em nada traz supostas nuances cômicas ao filme, muito pelo contrário. Passada a primeira meia hora de filme, já não se suporta mais a métrica da narração enfadonha apresentada pelos atores. Além de um texto nada virtuoso, a voz concedida ao protagonista dá conta de uma constrangedora tentativa de emular os sons feitos pelos hipopótamos enquanto nadam. Pepe é um filme que parece se levar a sério demais. As falas do personagem principal são um exemplo claro da disfuncional criação dramática apresentada pelo diretor. Ao invés de apostar em situações absurdas para ver Pepe em relação com os outros ao seu redor, o diretor se vê contente em apresentar seu personagem principal narrando um texto por vezes erudito e complexo demais. Se aqui era buscada uma possível relação de identificação do animal com o espectador, isso cai por terra rapidamente.

Essa proposta de humor absurdo torto é completamente insustentável e pouco cativante. As falas estranhas do hipopótamo seguidas muitas vezes seguidas por mais diálogos mal construídos parecem fazer com que nem próprio diretor crie apego por tais dinâmicas narrativas. A partir da metade final do filme, a figura de Pepe simplesmente some do longa-metragem, sendo apenas referenciado em conversas alheias ou visto rapidamente em seu habitat natural, o rio. Pepe, então, comprova que se perdeu pelo caminho. O sumiço do animal, agora, é substituído pela população ribeirinha afetada diretamente pela fuga do hipopótamo. O protagonista Pepe, agora, recebe tons de lenda local, quase como uma aparição folclórica. Mas nem mesmo o temor da população em relação ao animal parece desenvolver narrativamente esse estranho e pobre personagem principal.

Existe no filme uma espécie de peculiar cuidado com imagens a serem mostradas para o espectador. O diretor aparenta bastante vocação para a construção de planos harmônicos, repletos de uma beleza formal nem sempre funcional dentro da narrativa. Em dados momentos, principalmente ao capturar cenas da natureza, Santos Arias se preocupa muito mais em construir belas visões do rio, dos animais, do que imagens capazes de contribuir esteticamente para o andamento de Pepe. A beleza em prol da expressividade. As belas imagens do cenário natural, além disso, são usadas à exaustão, como tapa buracos – não sabendo o que apresentar, o diretor realiza inserts de tais visões para preencher o vazio de imagens e ideias. É tanta repetição dessas vistas documentais que, em dado momento, questiona-se se o filme, na verdade, não se trata de uma reportagem no canal National Geographic.

Pepe é um filme que parece tentar abraçar vários horizontes discursivos, seja uma dimensão política da história do hipopótamo ou uma equivalência da morte do animal com situações humanas corriqueiras – principalmente no que diz respeito à morte encomendada pelo estado pelo fato de não pertencer. Essa salada de frutas, no entanto, é um tiro que facilmente sai pela culatra, fazendo com que todas as questões levantadas sejam contempladas com extrema superficialidade. Quando menos se espera, ao piscar os olhos, somem as preocupações políticas da narrativa e surge um aleatório e torto concurso de beleza da comunidade ribeirinha atormentada pelo animal protagonista.

O filme de Santos Arias, infelizmente, falha em quase tudo aquilo que propõe para o espectador. Sua pretensiosa construção de protagonista e tiros para todos os lados só poderiam resultar em um raso relato posicionado entre um absurdo porcamente construído e a falta de humor. Talvez, se assumido como um despretensioso relato despreocupado de um simples animal sofrendo de uma crise existencial post mortem ao melhor estilo Brás Cubas, Pepe poderia ter funcionado. Mas do jeito que é apresentado, o filme acaba por se tornar um exercício absurdo pretensiosamente intelectual que, na verdade, é uma grande confusão com duas horas de duração.

Pepe – República Dominicana, França, Alemanha, Namíbia, 2024
Direção: Nelson Carlos de los Santos Arias
Roteiro: Nelson Carlos de los Santos Arias
Elenco: Jhon Narváez, Sor María Ríos, Fareed Matjila, Harmony Ahalwa, Jorge Puntillón García, Shifafure Faustinus, Steven Alexander, Nicolás Marin Caly
Duração: 122 min.

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