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Crítica | Greice (2024)

Schadenfreude.

por Frederico Franco
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Na língua alemã existe uma expressão voltada para a capacidade de rir diante dos infortúnios da própria vida ou alheia. Schadenfreude. Schaden, significando prejuízo; Freude, sendo alegria ou prazer. Trata-se de uma alegria com tons malignos, mas ligada diretamente ao íntimo humano, podendo ser algo público, exposto para o outro, ou também uma expressão discreta. Como, no entanto, transformar isso em uma dinâmica saudável? Em Greice somos apresentados a essa personagem que tira das situações mais adversas uma potência cômica, divertida. Somos logo apresentados à protagonista Greice e sua amiga Lis. As duas, em um dia de calor, estão em busca de uma casa com piscina para se refrescar frente ao intenso verão de Lisboa, cidade na qual ambas estudam Belas Artes. O que não se esperava é que, após encontrarem o local ideal para se banhar, isso iria acarretar em uma série de infortúnios para a protagonista do filme.

Greice é uma jovem estudante brasileira residente em Portugal. Além dos estudos, sua vida parece pautada por uma pujança juvenil. Tudo é motivo de riso e escárnio. Seu trabalho como assistente de uma diva pop underground é tudo aquilo que desejava para sua vida. Um bom trabalho, a faculdade dos sonhos, uma vida social agitada: tudo aquilo que um jovem deseja. Greice, junto de seus pares, não leva a vida adulta a sério. Seu comportamento irreverente é sua marca registrada. Esse descomprometimento com aquilo que a rodeia é o que dá a liberdade de rir daquilo que poderia ser motivo de dor ou tristeza. Rir ou relativizar da própria desgraça é a maneira de Greice de representar seu mais sincero schadenfreude. Nada parece importante o bastante para ser levado a sério pela protagonista. Nem mesmo sua suspensão da universidade após um calamitoso incidente com uma pintura secular exposta no prédio da faculdade. Isso pouco lhe importa, tanto que, escondida de todos, ela retorna a Fortaleza para supostamente regularizar sua situação enquanto estudante imigrante. Nem mesmo uma possível mancha em seu currículo profissional a preocupa. Para Greice nada é tão importante que não possa ser transformado em riso. 

O timing cômico da construção da encenação de Leonardo Mouramateus é impecável. Muito disso se dá por um trabalho de montagem criterioso e, sobretudo, cuidadoso. É a partir da ausência do corte que o cômico surge em Greice. Terminada uma ação corriqueira, ao invés de um corte em direção a outro plano, a câmera se mantém ali, inerte, apenas capturando a essência física dos atores. Esse alongamento da ação acaba com o possível naturalismo da mise en scène, dando-lhe um caráter cômico. Esses brevíssimos instantes, por mais triviais que pareçam, são elemento central para provocar o riso do espectador. O trabalho corporal dos atores, em tais momentos, é outro aspecto decisivo para a produção de comicidade nesses momentos. Se Greice possui tamanho apelo cômico, muito se dá pelo trabalho de Amandyra, que dá vida à irreverente protagonista. 

Além da utilização da montagem como artifício central do humor, Mouramateus aposta em pequenos e recorrentes detalhes do comportamento de seus personagens para produção humorística. Como destaque, o marcante som emborrachado do tênis da prima de Greice e o comportamento incerto, ansioso, do concierge Enrique. Além disso, ver Greice manipulando todos ao seu redor para não ter sua mentira descoberta, como em um efeito de bola de neve, é motivo central para arrancar risos do espectador. Quanto mais cresce essa rede de mentiras, mais a protagonista flerta com o perigo. Essa linha tênue pela qual caminha Greice traz ao filme uma importante carga dramática. Por mais que a produção humorística seja fundamental para a obra, essa preocupação com a protagonista coloca o espectador em um constante estado de alerta ao ver a carismática Greice em perigo.

Duas relações centrais do filme dizem respeito aos relacionamentos amorosos da personagem principal. O primeiro, o misterioso portugês Afonso, um pequeno burguês que se sustenta com a herança de sua família – o gajo vive no palacete no qual Greice e Lis conseguem seu banho de piscina no início da trama. A relação com ele é rápida, mas parecem desconexos entre si. Muito silêncio e poucas ações humoradas de Greice mostram uma protagonista deslocada. Já com Enrique, funcionário do hotel no qual a personagem de Amandyra se hospeda em Fortaleza, ela aparenta maior leveza, dando voz à sua personalidade agitada, sorridente.

Ao final do filme, em um raro momento no qual Greice se conecta com sua irmã mais nova, ambas conversam sobre o sistema solar e os planetas que o constituem. Greice é um corpo celeste cuja potência faz com que aqueles ao seu redor estejam constantemente orbitando ao seu redor. Sua originalidade dá luz à vida de qualquer um que esteja por perto. Mesmo que rodeada por infortúnios, ela nunca perde sua capacidade de debochar de seus próprias desgraças, aproveitando por completo seu schadenfreude.

Greice – Brasil, Portugal, 2024
Direção: Leonardo Mouramateus
Roteiro: Leonardo Mouramateus
Elenco: Amandyra, Mauro Soares, Luara Learth, Isabél Zuaa, Dipas, Faele Maya, Lucas Galvino, Anna Leticya Gomes, Gabriella Ribeiro, Bruna Pessoa, Felipe de Paula
Duração: 110 min.

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