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Crítica | Quem é Essa Mulher?

Uma boa ideia, um filme nem tão bom.

por Frederico Franco
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Um bom ponto de partida nem sempre implica em uma chegada primorosa. A premissa apresentada em Mariana Jaspe em Quem é essa mulher? é válida, até mesmo instigante: recuperar historicamente a figura de Maria Odília Teixeira, a suposta primeira médica negra do Brasil. Para isso, a cineasta traz aos holofotes a historiadora Mayara, responsável direta pela reconstrução da vida e obra de Maria Odília desde suas origens incertas até seu trabalho acadêmico dentro da universidade brasileira. No entanto, a direção parece não conseguir dar conta de uma construção inventiva o suficiente para fazer jus ao trabalho pioneiro da médica baiana. Não há, aqui, escolha estética alguma capaz de dar conta da instigante premissa proposta: trata-se de um documentário paupérrimo no que diz respeito à linguagem; há um bom história desperdiçada por uma abordagem genérica, parecendo seguir a risca um manual de como construir uma narrativa documental. Deixa-se claro, aqui, que a pobreza estética nada interfere na importância e relevância do trabalho de ambas Odília e Mayara.

Desde o princípio da obra, Mariana Jaspe faz questão de deixar clara sua admiração por todo o esforço de Mayara em recuperar a importância social de sua musa inspiradora. As dificuldades da historiadora são expostas com clareza, tecendo notas quase melodramáticas através de uma trilha sonora, de certo modo, cansativa e pouco original. A escolha pela alta dramatização da carreira de Mayara é justificável, mas pouco inspiradora. O importante, no entanto, é deixar claro o esforço louvável da pesquisadora em propor uma temática pouco usual dentro do circuito acadêmico. A dedicação integral é exposta através de falas de terceiros que, em diálogo direto com a protagonista, parecem, de modo torto, tentar emocionar o público. Depois de quase quarenta minutos de obra, Quem é essa mulher? parece se distanciar de Odília e se entregar por inteiro à Mayara. A médica, então, parece ficar deveras distante do público. No entanto, não surge, nesse ponto, quaisquer paralelos entre ambas protagonistas – algo que será levantado adiante no texto; as duas não parecem conectadas, como se fossem duas existências incomunicáveis dentro de um ponto de vista historiográfico.

Muito apoiado em talking heads, o filme apresenta, nas entrevistas, uma espécie de tom professoral pouco instigante ou dinâmico. As falas não parecem surgir com naturalidade, aparentando ser extremamente ensaiadas, quase decoradas. Em certos pontos, confundem-se, inclusive, com a leitura de um texto. Mayara, por meio da voz over, narra com uma precisão métrica preguiçosa certos trechos da vida de Maria Odília. Mariana Jaspe, ao longo do filme, explora dinâmicas de diálogos entre seus entrevistados, colocando-os frente a frente. Nem essas possíveis interações despertam naturalidade. As conversas são marcadas por essa impressão de ensaio, como se estivessem lendo um roteiro pela milésima vez. São poucos os momentos de conversação que saltam aos olhos, sendo eles de personagens coadjuvantes da narrativa construída ao longo do filme.

 Em se tratando de instâncias estéticas, imagéticas, nada proposto pela diretora foge do genérico ou até mesmo medíocre. A construção das imagens em nada salta aos olhos: talking heads, uma ou outra imagem de cobertura, planos detalhes, mais talking heads e assim por diante. Essa métrica compõe quase toda a duração de Quem é essa mulher?, dando ao filme um ritmo marcado, monótono, fazendo o espectador se distanciar da narrativa por mais intrigante que seja a proposta inicial. O trabalho de Mariana Jaspe, ao invés de criar proximidade entre público e protagonistas, faz o caminho inverso: a narrativa por vezes sonolenta nos lança para longe de Mayara e, sobretudo, Maria Odília. No geral, são apresentadas imagens pobres e, no mínimo, desinteressantes. Tudo aquilo construído pela direção se apoia efetivamente apenas nas ideias expostas pela historiadora, dependendo integralmente de sua fala e de seus pares. O problema dos diálogos anteriormente expostos, surge novamente como detalhe empobrecedor. Em certo ponto, após repetir o mote do filme por incontáveis vezes – uma pesquisa sobre a primeira médica negra do Brasil – o documentário se torna, mais uma vez, um exercício repetitivo dependente única e exclusivamente de um texto igualmente pobre. A premissa da obra, utilizada à exaustão, portanto, perde sua potência inicial ao longo da duração do filme. 

Cabe notar, no entanto, dois pontos altos do trabalho de Mariana Jaspe. O primeiro deles diz respeito ao centenário filho de Odília, um personagem que rompe com a lógica de diálogos ensaiados e enfadonhos. Extremamente verborrágico e bem articulado, parente da médica é um rápido respiro dentro da obra devido a seu carisma e originalidade na fala. O outro momento é quando, nos instantes finais, é estabelecido uma espécie de paralelo entre a situação de Maria Odília e Mayara: duas mulheres negras, separadas por mais de um século, lutando para encontrar seu lugar em um mundo dominado pela branquitude e pelo racismo. Esse último ponto, se explorado durante o filme, seria uma interessante relação a ser mais articulada. A cena final com a família de Mayara é um breve momento de inspiração em um longa insípido.

Em termos gerais, Quem é essa mulher? é um filme que enfrenta uma clara falta de inspiração para, principalmente, apresentar suas protagonistas Mayara e Odília. Ambas figuras ficam aquém de suas necessidades narrativas, servindo apenas para repetir o mote da primeira médica negra do Brasil. Falta, para Mariana Jaspe, construir uma maior relação de proximidade de Mayara, já que, por maior que seja seu protagonismo, pouco se vê dela. E, consequentemente, de Odília.

Quem é essa mulher? – Brasil, 2024
Direção: Mariana Jaspe
Roteiro: Mariana Jaspe, Muriel Alves
Duração: 70 min.

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