Os Paraísos de Diane estabelece sua dinâmica estética logo nas primeiras cenas: uma protagonista isolada não apenas de seus pares, mas também do espectador. Diane é uma pessoa como qualquer outra, não possuindo nada de diferente ou chamativo. Trata-se de uma mulher que acaba de dar à luz à sua primeira filha. Na primeira noite, já somos apresentados a uma protagonista em um momento frágil, como se algo tivesse sugado toda sua energia vital – cabe dizer, aqui, que esse é um dos poucos momentos inspirados da atuação de Dorothée de Koon, capaz de transmitir sua melancolia de um modo orgânico, nada artificial. Se apresentam, nesse ponto, os primeiros nuances de um comportamento cínico da personagem. E é essa principal característica que serve como um tiro no pé dado pela direção de Jaquier e Gassmann. O grande problema, no geral, é a construção atribulada de uma personagem que não funciona enquanto elemento discursivo central dos autores do longa-metragem.
Nos dias subsequentes ao parto, Diane, em um movimento abrupto, resolve abandonar o hospital e, consequentemente, sua vida. Deixando de lado seus pertences e tudo aquilo capaz de lhe identificar, a personagem resolve embarcar em uma viagem em direção a lugar nenhum. Ocorre, nas sequências seguintes à fuga, um raro momento no qual a câmera atua de maneira mais expressiva, deixando de lado uma espécie de rigor formal baseado em planos estáticos sem quaisquer instabilidade. Por mais que a expressividade funcione enquanto abordagem nesse trecho da obra, a fuga repentina, dada nos primeiros vinte minutos de filme, distancia demais o espectador de toda a estrutura familiar que Diane deixa para trás. Essa falta de conexão com os coadjuvantes acaba por não gerar qualquer tipo de tensão dramática ao longo da viagem da protagonista. Os diretores não deixam se estabelecer vínculos emocionais com o núcleo familiar abandonado. No decorrer do filme, portanto, a família é esquecida – tanto pela direção quanto pelo público. É difícil, dessa maneira, construir dinâmicas emocionais com a própria Diane: não se cria antipatia porque não houve apego aos familiares; não se cria identificação porque nada se sabe de sua relação com seu marido, seus pais e sua filha recém nascida.
Em diversos exemplos, uma proposta de abordagem cínica, distante ou até mesmo artificial (o que não é o caso) surge justamente para, através de uma hipérbole, tecer críticas relativas a relações sociais. O princípio de Os Paraísos de Diane apresenta um terreno interessante para a construção de um cinismo capaz de expor comentários críticos a respeito de imposições de normas sociais em cima da mulher. O grande porém é que a abordagem distante, fria, se resume apenas à Diane. Ela é a única agente dramática que transpira cinismo em todos seus atos; o mundo ao seu redor nada tem de frio. Essa proposta cínica atrapalhada não é forte o suficiente para apontar o absurdo das relações estabelecidas com a vida social que contorna sua vida. Se sobra cinismo à protagonista, falta no universo que a cerca – algo que Wim Wenders, em O medo do goleiro diante do pênalti, constrói com maestria.
Além desses detalhes citados, existe, dentro do filme, um problema relativo à atuação da protagonista, que, no geral, é frágil, entregando um trabalho medíocre. Seu cinismo, durante todo o longa-metragem, vai além de uma simples artificialidade, criando situações cômicas onde elas não deveriam aparecer. Mas nem tudo são defeitos. Enquanto está sozinha, Diane funciona como vetor dramático, criando bons momentos em seu trabalho. O grande porém é quando é proposta uma interação com outros personagens coadjuvantes. Ali, entre o naturalismo deles e o cinismo de de Koon, fica exposta a dificuldade de criar momentos íntimos e sutis entre os personagens – as tentativas de expressões de carinho ou ternura são pouco efetivas, principalmente entre Diane e Rose, uma amiga feita durante sua viagem.
Um ponto positivo notado em Os Paraísos de Diane são as cenas nas quais a personagem principal caminha sozinha pela cidade à noite, atravessando a madrugada. Esses momentos voláteis, curtos, dão um pouco de respiro ao filme. A câmera, agora trêmula, pouco preocupada com estabilidade e beleza formal, é capaz de capturar de maneira efetiva Diane confrontando sua própria solidão e fragilidade perante o mundo e a sociedade ao seu redor. Seu rosto pouco iluminado pelos postes da cidade e seu caminhar ofegante apresentam uma boa melancolia de alguém que definitivamente caminha em direção a nenhum lugar. Sua nova vida, distante da família, é marcada por isso: pela solidão, pela melancolia.
Já ao final do filme, para não deixar dúvidas ao espectador, Jaquier e Gassmann colocam na boca de Diane suas próprias palavras. Em uma breve discussão com seu agora ex-marido, a personagem deixa claro o discurso dos diretores: Diane não quer ser aquilo que a sociedade lhe impõe. Esse curto e tortuoso debate tem essa clara funcionalidade narrativa, algo preguiçoso e, de certa forma, pouco corajoso por parte da direção. A ideia é clara desde o princípio, não havendo necessidade de mastigar a ideia para o espectador. Nesse caso, o autoexplicativo não serve.
Você é uma ilha, diz Rose à Diane. Longe de tudo e todos que em algum momento foram elementos constitutivos de sua vida, Diane é realmente uma ilha cercada por um infindável oceano. Sua vida anterior não reverbera em seu momento atual. Nada a deixa apegada ao passado. Aquela Diane morreu, foi deixada naquele hospital depois do parto. Agora, ninguém ao seu redor é capaz de lhe definir. Definitivamente, quem está ao nosso redor é quem nos define. Por isso, talvez, a protagonista tenha escolhido a fuga, a solidão.
Os Paraísos de Diane (Les Paradis de Diane) – Suíça, 2024
Direção: Carmen Jaquier, Jan Gassmann
Roteiro: Carmen Jaquier
Elenco: Dorothée de Koon, Aurore Clément, Stéphanie Lagarde, Roland Bonjour, Omar Ayuso, Duncan Airlie James, Eddie Register
Duração: 95 min.