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Crítica | O Véu (2024)

Homeland para bocós.

por Ritter Fan
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Nada contra – aliás, tudo a favor – que uma espiã especializada em mudar de identidade para cumprir suas missões passe por uma crise de identidade, mas a minissérie em que a personagem está inserida não pode passar pelo mesmo. Criada por Steven Knight, responsável por Peaky Blinders e Taboo, dentre outras, O Véu é o cúmulo, em memória recente, de uma tentativa de ser muito coisa ao mesmo tempo, sem conseguir ser efetivamente algo mais do que uma sucessão de passos em falso que não resultam em algo minimamente coeso ou, sendo bem sincero, interessante. É como um filho sem talentos que resultou do casamento entre, digamos, Homeland e Alias, que só prova que “DNA bom” não é hereditário.

Na minissérie, Imogen Salter (Elisabeth Moss) é uma agente veterana do MI-6, especializada em infiltrações que tem como missão resgatar Adilah El Idrissi (Yumna Marwan), uma mulher francesa muçulmana, de um campo de refugiados na fronteira entre a Síria e a Turquia e descobrir se ela é mesmo Adilah ou se, como as diversas agências de espionagem do mundo desconfiam, ela é a quase mítica líder feminina do ISIS, isso com o relógio em contagem regressiva em razão da suspeita de um ataque terrorista em poucos dias. A estrutura de “gato e rato” em que os dois animais metafóricos estão sempre um ao lado do outro e não um correndo atrás do outro é muito interessante e bem pensada, com Imogen precisando criar todas as conexões possíveis com Adilah para que a verdade possa ser revelada a tempo de algo ser feito para evitar o pior, mas a minissérie em seis episódios não se aproveita da boa premissa.

Perdida entre drama psicológico, thriller de espionagem, sátira de série de espionagem e até mesmo uma amálgama de tudo isso, O Véu tem valores de produção do mais alto gabarito, com filmagens em países diversos, cenários reais e construídos cuidadosos e suntuosos, além de personagens que, no papel, são muito interessantes, seja a dupla feminina, seja Malik Amar (Dali Benssalah), agente da DGSE, a inteligência francesa, e namorado de Salter, ou sua contrapartida americana Max Petersen (Josh Charles), da CIA, ou até mesmo o misterioso Michael Althorp (James Purefoy), que, apesar de ser citado várias vezes e aparecer em breves flashbacks, só entra efetivamente na história no último episódio. Em outras palavras, todos os ingredientes para uma apetitosa refeição estavam presentes, mas tudo o que Knight conseguiu entregar foi um prato insosso.

Para começo de conversa, todo o uso de locações e cenários é desperdiçado por uma fotografia cansada de Bonnie Elliott e de Stuart Biddlecombe, cada um responsável por três episódios, que não consegue criar uma linguagem visual própria para a obra e, pior, trata todas as ambientações exatamente da mesma forma. É como assistir a uma sucessão de sequências com as mesmas lentes, mesmos filtros, mesmos posicionamentos de câmera ao longo de toda a minutagem que não ganha diversificação nem mesmo quando comparamos um acampamento de refugiados nas montanhas geladas da Síria com o gigantesco apartamento de Michael em Paris onde Imogen fica quando está na cidade. E o mesmo vale para a montagem de Hunter M. Via, Helen Chapman e Nikki McChristie, que trabalha uma sequência de pancadaria com a mesma languidez de quando vemos uma personagem andar por um corredor qualquer. Não vale nem a pena mencionar a trilha sonora composta por Jon Opstad, pois é como se ela não existisse de tão banal.

Ah, mas pelo menos tem a atuação de Elisabeth Moss, atriz que não erra nunca, não é mesmo? Pois é. Desde Mad Men que eu simplesmente vejo qualquer coisa com ela – e por causa dela! – e não me desaponto mesmo nos casos em que tudo ao redor dela não funciona. O problema é que O Véu é a exceção que vem para confirmar a regra. A Imogen Salter traumatizada por perdas no passado e por dúvidas sobre quem seu pai realmente foi que Moss constrói é uma personagem que vive de extremos, descartando todo semblante de sutileza e sempre fazendo esforço demais para mostrar seriedade, inteligência, capacidade atlética, remorso, empatia e só conseguindo ser uma caricatura viva. É raro uma grande atriz ou ator ir do 8 ao 80 – no caso do 80 ao 8, claro – tão radicalmente, mas é o que Moss consegue aqui, sem saber se sua Imogen é uma espiã durona e insensível, uma mulher traumatizada e chorona, ou uma combinação desastrosa do James Bond de Roger Moore com Austin Powers que parece que não toma banho há semanas, ficando especialmente ridícula quando tenta ser um Jason Bourne de saias. E, nessa brincadeira, a atriz não é nem de longe ajudada por Yumna Marwan que faz de sua Adilah a personificação do vitimismo barato. Mas eu não culpo as atrizes, pois, especialmente no caso de Moss, eu sei que elas são capazes de muito mais. A questão é que os roteiros de Knight não sabem o que querem das personagens e os trabalhos de direção de Daina Reid e de Damon Thomas são muito ruins no que se refere à determinação de como as atrizes devem atuar.

A maior prova de que o problema está nos roteiros é como os personagens de Dali Benssalah e Josh Charles são trabalhados. Enquanto Malik é o estereótipo do francês de bom coração, sentimental e todo condoído pelo que faz, Max é o estereótipo do americano arrogante, que acha que sabe de tudo, tenta resolver tudo na violência e que menospreza todo mundo que não é de seu país. E, como se isso não bastasse, essas caracterizações extremas são colocadas constantemente em choque, mas não de maneira inteligente e sim mais como algo que parece ter saído diretamente das páginas de Mortatelo e Salaminho, o que seria ótimo se não fosse constrangedor dentro do tom metido a sério de todo o restante da minissérie. Aliás, sendo bem sincero, eu adoraria que a pegada da criação de Knight fosse mesmo na linha da genial obra máxima de Francisco Ibañez, pois combinaria bem com a dupla “gata e rata” de Imogen e Adilah, e também com as inserções de personagens surreais como o hacker obeso e fedido que aparece do nada e o ridiculamente misterioso e fleumático Michael que só existe para levar a minissérie a seu final genérico (outras duas caricaturas humanas, aliás).

Falando em finais, é cômico como tudo muda no episódio de encerramento, com uma resolução que faz esforço para parecer algo que sempre foi planejado, mas que parece ter sido é jogado de qualquer jeito ali para fingir que é uma reviravolta inteligente, para tirar exclamações de espectadores e assim por diante, com aquele finalzinho feito para chocar, mas que é tão milimetricamente telegrafado que tudo o que ele consegue fazer é arrancar risadas involuntárias. Ou seja, O Véu é Homeland ou Alias para bocós, uma minissérie que destrói sua boa premissa, desperdiça seus cenários, transforma boas atrizes em sombras do que elas são e, quando fecha a história, entrega uma bobagem sem tamanho. Talvez Steven Knight precise de férias…

O Véu (The Veil – EUA, 30 de abril a 28 de maio de 2024)
Criação: Steven Knight
Direção: Daina Reid, Damon Thomas
Roteiro: Steven Knight
Elenco: Elisabeth Moss, Yumna Marwan, Dali Benssalah, Josh Charles, Thibault de Montalembert, James Purefoy, Dan Wyllie, Joana Ribeiro, Haluk Bilginer, Alec Secăreanu, Kobna Holdbrook-Smith, Nadia Larbioune, Keyla Bara, Neyla Bara, Phill Langhorne, Aron von Andrian
Duração: XXX min. (seis episódios)

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