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Crítica | O Vale da Decisão (1945)

Uma trama sem coesão recheada de saltos e lacunas.

por César Barzine
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Em sua premissa, O Vale da Decisão é o resultado da soma de um microcosmo sentimental e um macrocosmo social que deveria entrar em choque para dar atrito ao filme. Na prática, ele acaba sendo bastante desanimador nesses dois quesitos, sendo incapaz de construir os elementos mais básicos desses aspectos a fim de fornecer algum brilho à narrativa. O macrocosmo social é os EUA do final do século XIX, mas parece ser mais a Inglaterra desse mesmo período, já que as imagens e pautas aqui lembram bastante o típico retrato da Revolução Industrial. Há no longa chamativos planos externos das fábricas e o conflito de classes entre operários e a burguesia industrial como um dos pontos centrais. Em meio a isso, existe um foco narrativo pra lá de clichê no romance, que é a paixão entre amantes de classes opostas e as complicações por conta disso. O clichê, aqui, passa longe de ser um problema. Aliás, é justamente pela falta de um desenvolvimento mais padronizado que o filme falha. Faltou ao enredo se inspirar mais em outras produções do tipo e se desenrolar compartilhando das mesmas convenções para elaborar uma trama mais orgânica, coerente e agradável. 

Na história, a jovem Mary Rafferty vai trabalhar como empregada na mansão do dono de uma indústria de aço. Este é ex-patrão do próprio pai dela, um cadeirante bastante ressentido com seu antigo empregador devido às péssimas condições da fábrica que o levaram a um acidente responsável pela sua deficiência física. Se no começo a moça enfrenta a aversão e as provocações de algumas moradoras da mansão, não demora absolutamente nada para ela conquistar o apreço de boa parte daquela família e se inserir completamente nesse local. E é exatamente esse o principal problema de O Vale da Decisão: o filme não anda, mas simplesmente dá saltos. Tudo acontece rápido demais, como se não existissem pequenas fases a serem percorridas. Mary abruptamente conquista aquela família e o coração de Paul, isso sem nenhum desenvolvimento por parte dela, dele, da família ou de qualquer circunstância que justifique tais eventos.

O roteiro carece de substância para preencher esses vácuos. Os  pontos mal amarrados se juntam à direção desajeitada e acabam criando um filme meio estranho, sem a menor naturalidade e que foge do tom tanto em relação à coerência da trama quanto na atmosfera sem a menor harmonia. Predomina um afastamento no público; tudo soa arbitrário, fazendo com que não demos a menor importância para os personagens e o andamento das coisas. Coisas essas que parecem acontecer ao mesmo tempo que não parecem. Parecem porque vemos, por exemplo e sem muito embasamento, Mary chegando a fazer viagens internacionais com aquela família. Ao mesmo tempo, não parecem porque não há nada por trás disso, nenhum elemento que crie o caminho necessário para chegar a esse ponto.

O roteiro perde a oportunidade de explorar, como já dito no início do texto, o romance e a questão do conflito de classes — ou ao menos a da classe trabalhadora. O que ele faz, pode-se dizer, é nada menos que negligenciar os dois elementos mais importantes do próprio material. Negligenciar não apenas por decisões mal tomadas, mas também pela ausência de decisões. Para se ter ideia, a grande questão na esfera social do filme é a enorme birra que o pai de Mary tem por seu antigo chefe. E isso realmente pode ser chamado de apenas uma birra, já que é uma das coisas mais toscas do filme, indo para um desempenho quase jocoso do personagem, com uma atuação desconcertante e falas extremamente bobas, difíceis de serem levadas a sério. O mais longe que o longa vai quanto aos trabalhadores é na greve presente no terceiro ato, que acaba funcionando apenas como mais uma parte perdida da história e sem o menor interesse.

Já o único instante que vale a pena em todo o filme é quando Mary e Paul se reencontram atordoados e, ainda, apaixonados no final. Essa dualidade de sentimentos entre eles é transmitida numa decupagem simples, porém bela, de planos e contraplanos enquadrados em closes. De resto, existe apenas uma direção que reafirma um filme difícil de ser digerido. O mesmo Tay Garnett que fez, no ano seguinte, o envolvente e sombrio O Destino Bate à Sua Porta, é incapaz de achar o tom deste filme, tornando-o excessivamente desestimulante. O retrato do século XIX, envolto em pobreza e em industrialização, lembra um pouco alguns dos primeiros trabalhos de David Lean (Oliver Twist e Grandes Esperanças), mas a conexão fica só na superfície, pois os filmes baseados na obra de Charles Dickens transpareciam um tom de fábula e um pouco de magia. Aqui, apesar de existirem todos os ingredientes necessários para criar algo com maior vivacidade, sobra apenas um produto que não se encontra.

Até há alguma tentativa de se fazer uma coisa mais espirituosa com alguns diálogos, porém tudo só piora com isso. São frases de efeito que tentam soar poéticas, no entanto, ficam somente bregas, forçadas e melosas. É como se a ausência de energia em certos núcleos fosse pretensamente suprida com tiradas fáceis e de mau gosto. Cabe repetir, não é por causa dos clichês e da simplicidade que O Vale da Decisão é um filme ruim, e sim pela falta de conteúdo que impede o publico de comprar a imersão de Mary na rica família, a relação amorosa dela com Paul, a revolta do pai da protagonista, a situação dos operários, as intrigas da família Scott e algumas outras esferas narrativas que nem vale a pena citar de tão nulas que são.

The Valley of Decision — EUA, 1945
Direção: Tay Garnett
Roteiro: John Meehan, Sonya Levien, Marcia Davenport (romance)
Elenco: Greer Garson, Gregory Peck, Donald Crisp, Lionel Barrymore, Preston Foster, Marsha Hunt, Gladys Cooper, Reginald Owen
Duração: 119 minutos.

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