Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 1X05: Ponto e Bolha (Dot and Bubble)

Crítica | Doctor Who – 1X05: Ponto e Bolha (Dot and Bubble)

Fogo nos racistas!

por Luiz Santiago
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Esta semana eu quero começar falando de uma preocupação que merece a devida atenção: a ausência do Doutor na maior parte de dois episódios consecutivos, até o momento, desta 2ª Nova Série. Nos bastidores, sabemos que o ator Ncuti Gatwa estava terminando as gravações da temporada final de Sex Education, e sua curta agenda fez com que os primeiros episódios a serem filmados no novo formato e casa distribuidora de Doctor Who fossem do tipo Doctor-lite. Para alguns espectadores, essa ausência faz muito mal à série, impedindo que nos apeguemos ao 15º Doutor. De minha parte, até o momento, vejo que Gatwa tem compensado muitíssimo bem sua ausência majoritária nesses dois episódios (e notem que, aqui, ele tem muito mais tempo de tela do que em 73 Jardas!). Além disso, as histórias dos capítulos 4 e 5 foram escritas com imenso esmero — até mais que os capítulos escolhidos para alavancar a temporada, a saber, Bebês do Espaço e O Som do Diabo –, fazendo com que o Time Lord tivesse o peso dramático necessário, e com que a trama e os outros personagens conseguissem seguir solidamente sem ele, mantendo o público atento e interessado no que está acontecendo.

Ponto e Bolha é mais um capítulo da toada de “temas contemporâneos” declaradamente explorados na série com uma nova roupagem; e desta feita, encorpando aspectos estéticos e conceituais de Black Mirror e piscadelas de Wall.E, no quesito dependência tecnológica e reaprendizado à socialização fora das telas. É mais um episódio que experimenta na forma (como Boom e 73 Jardas) e que traz um dos melhores finais que já tivemos na série desde o seu renovo, em 2005, num aspecto de peso e significado dramáticos somados. Escrito por Russell T. Davies, o roteiro é a realização de uma ideia proposta por ele a Moffat em 2010, e que então não foi realizada por questões tecnológicas e orçamentárias. Ao colocar a ideia em prática, o showrunner não se limita a dissertar sobre o vício em telas, troca da vida real pela vida virtual e notável perda dos componentes humanos em detrimento do eletrônico em inúmeros aspectos da vida. Apesar de bom, real e necessário, isso seria simples. O que Davies faz aqui é extrapolar a bolha azul e fazer o público pensar sobre coisas mais sérias… sem parecer exatamente sério.

As novas determinações de produção claramente ditaram a abordagem que o autor fez aqui (isso está mais que óbvio, estética e narrativamente), mas a mensagem, em toda a sua grandiosidade, conseguiu ser transmitida sem floreios, em um momento onde a tensão e a atenção do público estavam em ponto alto. O Doutor e Ruby tentam ajudar, à distância, uma jovem chamada Lindy Pepper-Bean (Callie Cooke), integrante de um grupo de jovens milionários enviados por seus pais a um “planeta de treinamento e lazer“. A progressão do enredo, de uma simples figuração com “faria limers intergalácticos” e escravos da máquina, até pessoas que estão sendo devoradas por alienígenas similares a lesmas super evoluídas, é fluída, agonizante e muito chamativa. Davies consegue manipular as nossas emoções, fazendo-nos torcer por esses personagens, querendo que se libertem de seu ponto e bolha e vivam o mundo fora das telas, das curtidas e do engajamento. Com um elenco muito bem escolhido e, mais uma vez, um trabalho esplendoroso da trilha sonora e direção de fotografia (marcada por uma paleta de tons claros e pastéis, com filtro atenuador de contrastes), a saga de Lindy é comprada por nós, e tudo o que ocorre até o seu encontro com o Doutor, apesar de alguns momentos com diálogos deslocados e uma direção que aproveita pouco o espaço externo, é um baita exercício interessante.

E aí vem o ato final. O Doutor e Ruby fazem com que algumas pessoas desliguem suas bolhas e sigam até um ponto que ele considera seguro, já que a segurança da cidade impede a materialização da TARDIS ou de qualquer outra ação do Time Lord fora daquele subterrâneo não coberto pela vigilância daquele povo. Dado o pouco tempo que o Doutor tinha para trabalhar, já que as pessoas estavam sendo comidas pelos invasores quando ele chegou, preferiu-se atrair os internautas-escravos para um local seguro a dedicar sua energia tentando resolver o problema de acesso total à cidade — uma boa saída do roteiro, convenhamos, inclusive já lançando a explicação do por quê o Doutor não poderia fazer nada para ajudar os arianos racistas e classistas depois de saírem da área de proteção.

A manifestação do preconceito racial e de classe que Lindy e seus amigos destilam contra o Doutor é atroz, enraivecedora e planta as sementes que rapidamente desabrochariam num dos finais mais duros do programa. O extremismo ideológico (que o Doutor, sendo a pessoa maravilhosa que é, ignora, e ainda assim, implora para que permitam que ele os ajude — se fosse eu, quando Lindy dissesse que “era meu dever” salvá-la, entraria na TARDIS, partiria, e ainda por cima atrairia os devoradores para aquele subterrâneo…) é colocado aqui em sua forma mais exterminadora possível. Ao não permitir a diferença, ao não permitir a diversidade, ao agir contrariando aquilo que outro ser vivo poderia oferecer para o bem de todos, aqueles indivíduos causaram a sua própria extinção. Que pedrada! Mas é aquela, meus amigos: supremacista branco bom… é supremacista branco morto.

Doctor Who – 1X03: Boom — Reino Unido, 17 de maio de 2024
Direção: Dylan Holmes Williams
Roteiro: Russell T. Davies
Elenco: Ncuti Gatwa, Millie Gibson, Jamie Barnard, Elloise Bennett, Olivia Bennett, Max Boast, Billy Brayshaw, Milo Callaghan, Ellie-Grace Cashin, Callie Cooke, Jack Forsyth-Noble, Tom Rhys Harries, Millie Kent, Eilidh Loan, Niamh Lynch, Pete MacHale, Aldous Ciokajlo Squire
Duração: 46 min.

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