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Crítica | Biônicos (2024)

Um roteiro com 50 mil coisas mal arranjadas.

por Luiz Santiago
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O caminho do diretor Afonso Poyart até o lançamento de Biônicos, em 2024, começou a ser definido por ele no curta-metragem Protesys (2020), que trazia Cauã Reymond e o atleta paraolímpico Flávio Reitz no elenco. Ali, num misto de documentário e sci-fi mais um discurso muito perigoso (que em parte, se repete aqui em Biônicos), o cineasta mostrava um indivíduo que teve a perna amputada por conta de um câncer (caso real de Flávio Reitz) e que, após um tempo tendo vencido os obstáculos vindos com a deficiência para a prática de esportes, foi contatado uma empresa com uma oferta inimaginável: uma prótese ultratecnológica que o colocaria novamente na competição com atletas sem deficiências. Já nesse momento, uma oposição hostil e mal disfarçada é estabelecida entre as categorias, criando a figura tecnológica de um “super-homem imbatível; um indivíduo superior aos outros” — e eis onde reside parte do perigo que vemos no discurso que permeia tanto o curta quanto o longa. Protesys serviu de teaser para o projeto de 2024, que recebeu um tratamento dramático mais ordinário e, em vez de focar num único assunto, desembestou-se a criar cenários que não conseguiram chegar a lugar nenhum.

Eu gosto do começo de Biônicos. Ao apresentar a história, o diretor cria uma boa expectativa no público, dando a entender que a trama vai girar em torno do mundo do crime, do mercado paralelo em torno das próteses e o tanto que isso pode colocar grupos fora da lei em vantagem contra a polícia ou contra outros bandidos. De fato, essa é uma das linhas da película, mesmo que não receba grande refinamento. Mas engana-se quem pensa que Biônicos fala exclusivamente disso. E é nesse ponto que o filme começa a se perder: na quantidade de blocos dramáticos que o roteiro de Josefina Trotta ergue, começando no mundo do crime, passando pela competição esportiva em duas diferentes atmosferas e permeando tudo isso com um drama familiar, proto-amoroso e de gangue que, progressivamente, perde sentido. Se comprarmos o foco temático de Protesys com o de Biônicos, é até compreensível que mais intrigas apareçam para fazer valer o tamanho de um longa-metragem. Mas nesse processo, o diretor descaracterizou uma ideia inicial interessante e apostou em diversos “cenários de uso” das tais próteses, sem nunca completar o desenvolvimento de tais cenários.

O personagem vivido por Bruno Gagliasso passa de um promissor anti-herói para um vilão odioso com manhas de caricato e um discurso que não faz sentido, alterando-se ao sabor do vento. Aparentemente, ele quer ajudar os atletas deficientes prometendo fazer com que recebam suas super-próteses e possam competir “de igual para igual” com seus oponentes. Uma vez que o texto não foca por completo no mundo dos esportes, não temos os detalhes necessários para abraçar as regras e tudo o que envolve a competição. Até mesmo as sequências de salto à distância, que deveriam servir de catarse, terminam num engajamento inferior ao planejado, já que não existe real importância para ela e a atenção da narrativa, naquele momento, está essencialmente voltada para a investigação policial e para o que poderia acontecer com Maria (Jessica Córes) a qualquer momento. Ao entrelaçar suas muitas histórias soltas, o diretor consegue apenas quebrar boas sequências, diminuir o tempo de tela de sequências interessantes e abrir espaço para resoluções absurdas em cada um dos blocos apresentados, principalmente aquele que envolve os três irmãos.

Esbanjando canastrice, Paulo Vilhena e Miguel Falabella aparecem aqui como figuras que ajudam o trio de biônicos em momentos diferentes de suas jornadas, coroando o filme com o pior conjunto dramático possível: Deus Ex Machina, impossibilidades, conveniências e uma patética sequência de fuga de Maria, que começa numa luta ruim e termina em um arranjo que só seria possível em fantasias envolvendo poderes mágicos ou em filmes de super-heróis. Ao cabo, devo dizer que o roteiro repõe o filme na trilha interessante de seu princípio: o mundo do crime. Ou quase isso. Cavando uma continuação, o cineasta impõe-se um problema: ele realmente vai ter coragem de fazer uma ficção científica brasileira sem medo de abraçar temáticas pouco indigestas… ou vai dourar a pílula com um enredo que pauta miríades de pequenas histórias, sem conseguir dar conta de nenhuma delas?

Biônicos (Brasil, 2024)
Direção: Afonso Poyart
Roteiro: Josefina Trotta
Elenco: Jessica Córes, Miguel Falabella, Gabz, Bruno Gagliasso, Erika Januza, Kagga Jayson, Christian Malheiros, Miguel Nader, Emilly Nayara, Luana Tanaka, Klebber Toledo, Paulo Vilhena
Duração: 110 min.

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