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Crítica | Doctor Who – 1X03: Boom

O que resta.

por Luiz Santiago
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Desde o Especial de Natal de 2017 (Twice Upon a Time) que não tínhamos um episódio de Doctor Who escrito por Steven Moffat, uma das figuras mais carimbadas da série, para o bem ou para o mal, dependendo de quem está falando. Nesta Nova Era da série, o ex-showrunner volta escrevendo um roteiro muito potente, com uma história que se encaixa perfeitamente na nova proposta do programa, expandindo o mistério em torno de Ruby Sunday e fazendo reflexões emocionantes. Infelizmente, a trama cai na armadilha da reafirmação explicativa, o que derruba consideravelmente a qualidade do texto que vinha em alta conta até os dez minutos finais.

Não temos um ponto de partida com o Doutor e Ruby, dentro da TARDIS. O contexto (muitíssimo similar ao ponto de partida de The Magician’s Apprentice) é ambientado numa devastadora guerra em Kastarion III, onde o Doutor já chega em plena ação e acaba sendo barrado em sua jornada de ajuda porque pisa em uma mina terrestre e não pode mais se mover. Moffat usa um de seus ambientes narrativos favoritos (teatros de guerra) para explorar todo um lado sentimental e relativamente filosófico do 15º Doutor que não tinha aparecido até o momento. Por conta disso, Boom é um capítulo bem diferente do que vínhamos tendo desde A Fera Estelar, mesmo cedendo às convenções de produção dessa nova casa — o que se reflete em dois setores técnicos: a edição da fase final e as camadas de didatismo do roteiro, que são realmente decepcionantes.

Mais uma vez, Ncuti Gatwa dá um show de interpretação, expondo todo o seu imenso vigor sem se movimentar a maior parte do tempo. A ideia do roteiro tem um bom requinte, e o conceito do Doutor impedido de se mover força a direção (mais uma vez a cargo de Julie Anne Robinson, que dirigiu Bebês do Espaço) a experimentar com a mudança de ângulos e planos, que é muito bem explorada pela diretora. Lamento que o material filmado não seja plenamente aproveitado pela edição, principalmente após o momento em que a contagem regressiva para a explosão da mina termina. Desse ponto em diante, presenciamos uma cadência estranha dos eventos e uma mudança de ritmo que atrapalha consideravelmente o assentamento das ideias do texto, algo que já vinha claudicando desde o momento em que o Doutor, falando para Ruby (mas mirando no espectador), explicou infantilmente o que estava em jogo ali. É também importante lembrar que o texto faz uma reflexão geopolítica e econômica a respeito da indústria da guerra, do imperialismo e até da morte, mostrando uma visão próxima a religiões espiritualistas ou politeístas sobre a passagem de um indivíduo deste plano de existência… para um outro. Difícil não se emocionar.

A fotografia deste episódio é um dos seus pontos técnicos mais incríveis, acompanhado pela trilha sonora (Murray Gold é imbatível!) e por um desenho de som que fez até um toque de chamada telefônica ser elegante. Em Boom, Moffat faz uma “reflexão sobre existência humana em tempos de guerra” (flertando com o espírito de The Doctor Dances) na medida certa para ser compreendida por um público muito jovem, sem rebaixar a sua abordagem. O modelo didático e as escolhas da edição no final do episódio não conseguiram minar a verdadeira potência dessa história tão interessante. Falar sobre o legado físico e eletrônico de uma pessoa e da mistura entre fé e guerra são coisas tão presentes em nossa sociedade, que mais uma vez nos direciona para uma análise dessa Nova Doctor Who privilegiando temas muito abertos e relacionáveis à sociedade contemporânea, ampliando um tipo de tônica que se tornou recorrente na Era Chibnall. Por mais que o “raio facilitador” tenha novamente atingido uma trama tão sólida e tão inicialmente bem escrita, não dá para negar que a proposta foi atendida de forma praticamente exemplar. Que saudade de Steven Moffat!

Doctor Who – 1X03: Boom — Reino Unido, 17 de maio de 2024
Direção: Julie Anne Robinson
Roteiro: Steven Moffat
Elenco: Ncuti Gatwa, Millie Gibson, Varada Sethu, Joe Anderson, Bhav Joshi, Majid Mehdizadeh-Valoujerdy, Caoilinn Springall, Susan Twist
Duração: 46 min.

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