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Crítica | Hell Divers, de Nicholas Sansbury Smith

Um filme descerebrado pronto para ser produzido.

por Ritter Fan
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We dive so humanity survives.
– Lema dos paraquedistas (que nem rima direito…).

Nunca tinha ouvido falar de Hell Divers (sem relação com o jogo Helldivers, de 2015), mas, um belo dia – será que foi belo mesmo? –  eu passei pela capa do primeiro livro, com paraquedistas em queda controlada com sinalizadores de fumaça vermelha saindo das botas em meio a uma tempestade elétrica e, somente por isso, coloquei a obra em minha “lista de desejos”. Algum tempo se passou e eu resolvi finalmente achar tempo para ler o romance de Nicholas Sansbury Smith, autor americano que desconhecia, mas que é aparentemente tarado pelo fim do mundo, com todas as suas obras gravitando ao redor desse tema. Mais do que isso, descobri que Hell Divers é uma série literária que começou há relativamente pouco tempo – em 2016 – e que, na data de publicação da presente crítica, conta com 11 volumes publicados e um 12º e aparentemente último prometido para o começo de agosto de 2024, ou seja, Smith, em oito anos, escreveu 12 livros só dessa série…

Mas a razão não só para o sucesso da série como para a relativa facilidade do autor em escrever tanto em tão pouco tempo de um mesmo universo fica evidente pela leitura do primeiro livro: fazendo paralelo com Hollywood, trata-se de um típico blockbuster do verão americano, ou seja, é uma obra básica, completamente descerebrada, que exige altas doses de suspensão da descrença e que preza ação sobre conteúdo e que constantemente usa clichês no lugar de desenvolver algo minimamente mais denso, com seus personagens parecendo recortes em cartolina, isso se tanto. Trata-se de uma característica intrinsecamente ruim em Hollywood ou mesmo em uma obra literária? Certamente que não se o espectador ou leitor souber o que está consumindo e, mais importante ainda, ele não se limitar a consumir esse tipo de criação. Hell Divers – pelo menos este primeiro volume, pois ainda não li os seguintes – é aquele tipo de livro que se lê unicamente para puro, vazio e fácil entretenimento, como o famoso filme que, para ser apreciado, exige que o espectador deixe seu cérebro em casa. Faz parte do jogo.

Passando-se algo como 250 depois que a Terceira Guerra Mundial destruiu e envenenou o mundo, a premissa de Hell Divers faz do pouco que restou da humanidade sobreviver em gigantescos dirigíveis a hélio quase autossuficientes que ficam eternamente voando pelo mundo, sem jamais pousar. No ponto em que a história começa, só existem mais dois dirigíveis em funcionamento, cada um com algo como 500 humanos, Hive (ou Colméia em tradução direta) que é onde grande parte da ação se passa e de onde vem o protagonista; e Ares, este sumido já há algum tempo. Para tornar possível a manutenção das aeronaves em voo perpétuo por tanto tempo, equipes de paraquedistas volta e meia pulam em meio a ferozes tempestades elétricas e solo e ar radioativos para procurar peças importantes, especialmente células de combustível. Sem perder tempo, no começo do livro o leitor já tem uma dose de ação na veia que plenamente justifica o título em inglês – algo como Saltadores para o Inferno – em que vemos o altamente experiente paraquedista Xavier “X” Rodriguez, em seu 97º salto (a média de sobrevivência é de apenas 15 saltos) liderar uma equipe que é completamente destruída em uma missão erroneamente lançada em meio a uma mega tempestade em que ele, de quebra, descobre existir ameaçadores mutantes carnívoros na superfície.

O que vem, depois, é só mais desgraça, com o recebimento de um pedido de ajuda truncado do Ares que faz com que X tenha que liderar uma nova e mais inexperiente equipe em um salto para o pior lugar possível nesse universo, uma região altamente radioativa e perigosa apropriadamente batizada de Hades (trata-se de Chicago para quem tiver curiosidade), onde existe uma grande instalação abandonada da empresa que originalmente fabricou os dirigíveis. Em Hive, a situação não é lá muito melhor, pois há o início de um motim de civis contra o comando militar que precisa ser enfrentado pela capitã do dirigível que sofre de câncer como boa parte da população em razão dos fracos escudos que separam os reatores nucleares da embarcação da população comum e que, claro, envolve o jovem Tin, filho do amigo de X que morre na missão inicial e que ele promete cuidar. Ou seja, tudo é deprimente e pesado daquele jeito calculado de ser, ou seja, sempre com atos heroicos e frases de efeito para elevar pessoas e sequencias de ação para além do prognóstico terrível que o autor pinta nesse seu universo.

O problema é que, por mais que Nicholas Sansbury Smith escreva “cinematograficamente” (mas do cinema blockbuster, como mencionei), ou talvez porque ele escreve dessa forma, o autor jamais investe tempo em detalhes ou explicações, faz dos mutantes as ameaças mais genéricas e sem graça possíveis que só existem para justificar as sequências de ação em solo, transforma o motim no Hive na coisa mais pífia que não cria nenhum traço de tensão e, claro, ignora solenemente qualquer semblante de desenvolvimento de personagem. Com isso, a própria situação dos humanos sobreviventes nos dirígeis – separados por castas entre civis inúteis largados à própria sorte e militares sabichões com todo o luxo possível – e como as aeronaves realmente funcionam, são elementos que Smith pula completamente, torcendo para que o leitore preencha o vazio com sua suspensão da descrença. Em outras palavras, o autor joga sua premissa supostamente bacana de qualquer jeito e deixa o leitor com a missão de criar sentido para ela. Como disse, cinema blockbuster hollywoodiano purinho!

Hell Divers é uma bobagem de alta octanagem e de fácil consumo para ser lido nas horas vagas quando tudo o que o leitor quer são palavras que, juntas, formem frases e parágrafos simples contendo apenas clichês, chavões, sangue, morticínio, tiroteio e bomba, sem aquelas “coisinhas irritantes” que alguns autores cismam em escrever, como desenvolvimento narrativo e de personagens, construção de atmosfera ou mesmo o detalhamento da construção de mundo. Sendo muito malvado, o livro é como um caminhão de lixo despejando sua carga na cabeça do leitor que, então, parte para revirar tudo e achar alguma coisa ainda utilizável. E sim, o resultado é divertido desse jeito básico de ser e sim, eu fiquei curioso para ler pelo menos mais um capítulo da “saga” para ver se Smith, no mínimo dos mínimos, trará algum elemento mais interessante do que mais do mesmo para os paraquedistas do inferno.

Hell Divers (EUA, 2016)
Autoria: Nicholas Sansbury Smith
Editora: Blakcstone Publishing
Data original de publicação: 19 de julho de 2016
Páginas: 356

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