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Crítica | A Acompanhante, Os Quatro Suspeitos e Uma Tragédia de Natal, de Agatha Christie

Impossibilidades à vista.

por Luiz Santiago
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Lançado em junho de 1932, Os Treze Problemas é uma coletânea de contos de Agatha Christie que segue mais ou menos o caráter de “romance episódico” adotado em Sócios no Crime (1929), com os detetives Tommy e Tuppence. O livro ficou bastante conhecido por ser a primeira vez que encontramos uma das personagens mais queridas da autora, a velhinha detetive de St. Mary Mead: Miss Marple.

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A Acompanhante

The Companion

  • Publicado originalmente no Reino Unido em 1930 com o título The Ressurrection of Amy Durrant, e na Story-Teller e Companions in Pictorial Review nos Estados Unidos.

Talvez por esta história do Dr. Lloyd se passar em Las Palmas, na ilha de Gran Canaria, minhas lembranças de ambientação aqui tenham me levado imediatamente para o cenário que a própria Agatha Christie criou em O Homem que Veio do Mar, na coletânea O Misterioso Mr. Quin. Na presente trama (narrada como memória) o doutor está se curando de uma enfermidade na ilha de Las Palmas. Em certo momento de sua estadia, ele observa a chegada de duas senhoras de meia-idade, uma um pouco gordinha e outra um tanto magricela, que descobriu lendo atentamente o registro do hotel. Dias depois, um suposto acidente acontece, e então dá-se início à verdadeira alma da aventura.

A Acompanhante é uma trama de remorso, abordando um crime premeditado e até bem executado, mas que acaba tendo um resultado moral e eticamente redentor. Não que isso seja algo negativo para a proposta, porque o conto é ótimo. Esta é apenas uma constatação de abordagem. No presente caso, a estadia do doutor Lloyd na ilha, sua ajuda profissional e a maneira como ele acompanha o desenrolar das investigações, mesmo que isso não dê em nada, cria o cenário perfeito para a curiosidade do leitor e a busca por pistas em todo lugar. A infâmia, no entanto, passa pouco tempo encoberta. Este é o tipo de conto de que eu gosto bastante, especialmente pela linha emocional que elenca. Ainda acho que o texto enrola um pouco demais, narrando amenidades no início, mas tanto a criação do suspense quanto a sua resolução são muito interessantes e engajantes.

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Os Quatro Suspeitos

The Four Suspects

  • Este conto foi publicado originalmente na coletânea Os 13 Problemas, em 1932.

Neste conto, a autora segue por um caminho que se aproxima dos crimes de quarto fechado ou algo similar a isso. A narrativa, agora, é de Sir Henry Clithering (ex-comissário da Scotland Yard), que conta um enigma protagonizado por quatro suspeitos. Dentre esses, sabe-se que três são tão vítimas quanto o homem assassinado (de um jeito que pareceu acidente). Nos bastidores do crime, voltamos a nossa atenção para uma criminosa sociedade secreta alemã, iniciada depois da Primeira Guerra. Um colega de trabalho de Sir Henry se infiltrou nesse grupo, conseguiu desmantelar a maior parte da organização na Europa, mas sabia que os seus dias estavam contados, pois os remanescentes não deixariam barato. Ao ler essa abordagem, eu fiz associações diretas com Os Quatro Grandes, mas aqui as coisas funcionam de maneira menos expansiva e bem mais controlada. O número de personagens é pequeno e o espaço onde as coisas acontecem, idem. O ponto que eu não acho que combina com a história é a linha, mesmo que tímida, do romance que a autora ergue e faz questão de desenvolver parcialmente. Ainda assim, a apresentação dos fatos e a maneira como Miss Marple cria as estratégias para chegar à resposta final me pareceram sólidas e, a despeito de alguns tropeços, com um resultado muito coerente diante de toda a proposta do enredo.

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Uma Tragédia de Natal

A Christmas Tragedy

  • Este conto foi publicado originalmente na coletânea Os 13 Problemas, em 1932.

Este não é bem um “conto de Natal”, como o título pode sugerir. Melhor dizendo, a temática natalina não está no centro das atenções dessa história e não desempenha um papel relevante nela. Mas a trama é, de fato, muito boa. Pela primeira vez, nesta coletânea, percebemos Miss Marple falando muito, detalhando com grande entusiasmo e uma pontada de culpa somada a um grande ódio (já curado) que ainda consegue sentir ao se lembrar do crime que relata nesta reunião do Clube das Terças-Feiras. O conteúdo é, de fato, uma tragédia, e daquelas bem escabrosas. De início, o texto engana porque é simples, indica um joguinho de participação onde as mulheres são chamadas a narrar alguma coisa… e é Miss Marple quem assume a voz detetivesca da vez. O que eu gostei bastante, na apresentação do crime, é que o fato consumado aparece já nos primeiros parágrafos da fala de Miss Marple, deixando para o desenvolvimento da aventura, a própria construção do assassinato.

Miss Marple ainda indica o seu pré-conceito em relação a um certo indivíduo, que ela “sempre soube” ser o assassino da esposa. Penso que a complicada dinâmica da troca de cadáveres que a autora escolheu para enganar o leitor aqui é bem melhor na teoria do que na prática. Ao menos comigo, só funcionou depois de algumas relidas nos trechos explicativos, o que obviamente acabou por diminuir a minha boa relação com o conto, diante da maneira intrincada como as coisas se desenrolaram e foram finalizadas. Uma daquelas histórias complicadas demais e que, ainda assim, arrancam um sorriso do leitor… talvez pela recorrência de interessante de ter sido enganado mais uma vez.

Os Treze Problemas (The Thirteen Problems) — Reino Unido, junho de 1932
Autora: Agatha Christie
Edição original: William Collins & Sons (Collins Crime Club)
Edição lida para esta crítica: Harper Collins Brasil, 2022
Tradução: Petê Rissatti
258 páginas

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