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Crítica | William Adams, Samurai

William Adams, o super-herói.

por Ritter Fan
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Não sei muito bem o porquê de a história do marinheiro William Adams, o primeiro britânico a chegar no Japão, que foi a base do famoso romance Xógum – A Gloriosa Saga do Japão, de 1975, e, claro, da mais famosa ainda minissérie homônima de 1980, não ter sido mais aproveitada na cultura popular ao longo das décadas. Trata-se de uma história tão incrível por si só que ela merecia ter ganhado bem mais tração ao longo das décadas, desde que James Clavell a desencavou para escrever seu livro. Não que faltem biografias sobre o personagem histórico (não são muitas, mas elas existem em boa quantidade), claro, mas o que quero dizer é o aproveitamento como Clavell fez, ou seja, usando os fatos históricos para construir uma narrativa fictícia em cima.

Apesar de não ser a única versão em quadrinhos sobre o personagem, William Adams, Samurai, graphic novel em dois volumes escrita pelo francês Mathieu Mariolle e desenhada pelo italiano Nicola Genzianella, com cores do também francês Fabien Alquier, é um dos raríssimos exemplares que explora a chegada de Adams ao arquipélago nipônico em 1600, e sua aproximação ao daimyo Tokugawa Ieyasu que, pouco tempo depois, tornar-se-ia Xógum – líder militar e, na prática, líder geral -, encerrando um longo processo de unificação do país tomado por guerras civis e iniciando uma dinastia que duraria por mais de 260 anos. No entanto, é importante deixar bem claro que Mariolle não tem o menor compromisso com fatos históricos e o que ele escreve é uma narrativa quase que completamente fictícia de Adams que, diferente do romance de Clavell, efetivamente coloca o piloto britânico na posição de “salvador branco”, mesmo que Tokugawa continue sendo abordado como um inteligente e manipulador estrategista.

Na história, depois de chegar no Japão e passar a ser protegido por Tokugawa como um peão em uma situação de pré-conflito com o daimyo Ishida, que deseja derrubar Tokugawa, William Adams tem uma crise de consciência sobre que lado apoiar, aprendendo japonês a ponto de falar fluentemente durante seu tempo na prisão, o que exige muito da suspensão da descrença, não tenham dúvida, e envolvendo-se com uma jovem tatuadora que se revela como sendo uma consorte de Tokugawa. Ou seja, para todos os lados que Adams vai, Tokugawa o observa de uma forma ou de outra e, mesmo quando ele finalmente sai da prisão, o que demora meses, mas é trabalhado muito rapidamente na HQ, ele continua preso, com o próprio país formando as paredes que o impedem de sair. Em meio a isso tudo, as maquinações políticas e religiosas passam a acontecer de maneira acelerada e por vezes conveniente, com Adams efetiva e providencialmente envolvendo-se até mesmo na importantíssima Batalha de Sekigahara, o que ele jamais fez ou de alguma forma influenciou.

O problema da graphic novel não é distanciar-se dos fatos históricos e inventar livremente os caminhos que Adams toma ao longo da narrativa, pois isso é justamente o que a torna interessante e curiosa, mas sim fazer isso a toque de caixa, com pouco desenvolvimento de qualquer personagem que não seja o próprio Adams e mesmo assim de maneira maniqueísta e simplista, sem efetivamente investir na construção de um protagonista um pouco menos unidimensional do que ele acaba sendo. No frigir dos ovos, essa versão de Adams é um super-herói. Aprende japonês com fluência absurda em poucos meses, luta com espadas a ponto de derrotar os mais variados samurais e ainda dá uma assistência essencial para a ascensão de Tokugawa. Até mesmo a história de amor proibido dele, à la Romeu e Julieta, é básica e inserida no contexto de maneira bastante forçada e pouco verossimilhante.

Por outro lado a arte de Genzianella e as cores de Alquier são belíssimas, com um trabalho muito cuidadoso em capturar uniformes, castelos e paisagens do País do Sol Nascente com todo o seu esplendor e sensação de maravilhamento que a história pede, mesmo que o roteiro em si não ajude muito os artistas. William Adams, o personagem histórico, é fascinante por si mesmo, pelo que criar uma história ficcional ao seu redor não deveria ser algo que exigisse muito, mas, infelizmente, o resultado final da graphic novel decepciona por relegar seu próprio protagonista a um recorte raso e conveniente que subutiliza seu potencial.

William Adams, Samurai (William Adams, Samouraï – Bélgica, 2017)
Contendo: William Adams, Samouraï v. 1 e v. 2
Roteiro: Mathieu Mariolle
Arte: Nicola Genzianella
Cores: Fabien Alquier
Editora: Casterman
Data de publicação: janeiro e setembro de 2017
Páginas: 112

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