Nascido em 2 de maio de 1932, Joaquim Pedro de Andrade cresceu no berço de ouro da intelectualidade brasileira do século XX. Filho do influente Rodrigo Melo Franco de Andrade, importante figura para a cena cultural nacional, JP Andrade desde criança esteve em contato com as ideias modernas que pairavam no ar naquele início dos anos 20 ao mesmo tempo em que era estimulado ao pensamento crítico no que tange às artes plásticas, literárias e cinematográficas. Apadrinhado por Manuel Bandeira, que, seu padrinho, era amigo pessoal da família, o ainda jovem cineasta logo cedo deixava claro seu amor pelo ofício da narração visual. Seu primeiro filme não poderia vir de perspectiva mais familiar: reflexão intimamente silenciosa sobre um dia na vida de seu padrinho. Eis aí O Poeta do Castelo. Filme-embrião de uma estética que não demoraria a aflorar.
Seguindo o legado da geração de 1922, e influenciado pessoalmente por Bandeira, Drummond e Oswald de Andrade, Joaquim Pedro insere-se no chamado Cinema Novo Brasileiro com o intuito de propor reflexões de cunho estético-ideológico através da mise-en-scène. Ampara-se, portanto, num tripé esboçado por Mário na conhecida conferência “O Movimento Modernista”, de 1942: pesquisa estética e criação de um cinema nacional a partir do popular; atualização da inteligência artística brasileira, isto é, descolonização da arte do chamado “terceiro mundo” (na falta de algo melhor, uso um termo de Paulo Emílio Salles Gomes); e finalmente na estabilização da consciência criadora nacional. Em termos práticos, o que significa isso? para ser radical: significa fecundar, germinar e conceber o que se entende, hoje, por cinema brasileiro: retratar o país.
Nisso, Joaquim Pedro tem um forte apego ao paroxismo, à transgressão e à experimentação da forma fílmica. Mesmo que influenciado por Godard e Glauber Rocha por um lado, no que tange ao radicalismo fílmico, por outro, esteve ligado também ao intimismo e existencialismo europeu, na linha de Ingmar Bergman e Robert Bresson. É arrebatador o que faz com o poema O Padre, a Moça de Carlos Drummond de Andrade. Em sua readaptação (O Padre e a Moça, 1966), JP estiliza o poema de tons épicos numa forma lírica, melancólica e existencial, num claro aceno ao que se produzia na Europa dos anos 50 e 60, mas sem deixar de lado a reflexão crítica da psicologia brasileira a partir de uma análise minuciosa de uma cidade do interior de Minas. Ao mesmo tempo em que foi brasileiro regional, o cineasta alcança ares de cosmopolitismo e universalidade.
Versátil, caminhou de filmes que são o puro suco do Cinema Novo em Macunaíma e Linguagem da Persuasão; flertou com a pornochanchada de modo crítico em Vereda Tropical; documentou as mazelas brasileiras em Couro de Gato e num documentário apoteótico sobre a arquitetura moderna num estilo cinéma-verité em Brasília: Contradições de uma Cidade Nova; mergulhou num intimismo ainda não explorado no Brasil em O Padre e a Moça e alcança seu triunfo no hermético e paródico O Homem do Pau-Brasil. Enfim, de muitas maneiras diferentes a brasilidade fora retratada. Talvez, de todos os cineastas que surgiram entre os anos 40 até os anos 80, Joaquim Pedro fosse o mais preocupado em dar continuidade ao projeto modernista de 1922, que, com suas falhas, fora corrigido e incrementado com aspectos ideológicos e políticos mais consistentes durante as gerações posteriores.
O cineasta consagra-se no chamado “cinema de autor”, cujos filmes se destacam pela maturidade estética, originalidade textual, pensamento crítico, além de um uso constante de referências às outras artes como literatura e artes plásticas. Inovador e singular, atrela-se a uma tradição fílmica que sempre buscou mais do que o cinema, mas que esteve preocupada em fazer do cinema um objeto transcendental, que fosse poesia, pintura, fotografia etc., que é o que faz notadamente em algumas de suas melhores obras. JP Andrade eleva e critica, numa mesma intensidade, aspectos que fazem do Brasil aquilo que o é.
Dada sua inclinação às vanguardas, não é de se espantar que seu último filme, O Homem do Pau-Brasil, esteja atrelado de modo mais umbilical possível a todo o experimentalismo que obtivemos nos primeiros anos do século XX. É aqui, neste filme, que o Cinema Novo se encerra. É a síntese, poética e paródica, e o desenlace de toda uma tradição que se inicia na singular semana de 1922, atravessa as preocupações regionalistas dos anos 30, adquire um tom alegórico no início do Cinema Novo dos anos 60 e que, enfim, tem o seu desfecho no ano de 1981, com Joaquim Pedro de Andrade. O Homem do Pau-Brasil reúne comicidade, paródia, postura crítica e estética moderna na fórmula geradora do filme e coloca-se numa posição de síntese, emblema e desenlace, concluindo décadas de uma tradição de reelaborações cinemanovistas do movimento de renovação estético-cultural do começo do século. Talvez, a essa altura, não seja demais dizer que é em Joaquim Pedro de Andrade que a era de experimentalismos modernistas tem o seu fim. E, com ele, o fim da epopeia do cinema brasileiro em busca da sua identidade nacional.