Futilidade, originalmente publicado em 1898 e que teve seu título alterado para O Naufrágio do Titan em 1912 por razões de marketing que levaram até mesmo à alteração de seu conteúdo pelo autor, com algumas mudanças de detalhes e a inserção de um “final alternativo”, é muito mais uma curiosidade literária do que uma obra de real valor intrínseco. Quando soube de sua existência, durante a leitura do aí sim valioso e clássico Uma Noite Fatídica, de Walter Lord, talvez até hoje uma das melhores obras não ficcionais sobre o naufrágio do RMS Titanic, tratei de caçá-lo tanto em sua versão original quanto na modificada para ver se ele realmente continha a visão presciente que muitos disseram que Morgan Robertson teve ao escrevê-lo.
Que visão presciente é essa? Ora, sobre o próprio naufrágio do Titanic, que aconteceria 14 anos depois do lançamento da novela de Robertson nos EUA. E, depois de ler o pequeno livro, chega a ser impressionante e aterrador o quanto o autor chegou próximo de uma das mais maiores e mais famosas tragédias marítimas da história. Em Futilidade, ele narra como o transatlântico de luxo Titan, considerável “inafundável” em razão de sua tecnologia de comportas, depois de chocar-se lateralmente com um iceberg no Atlântico Norte, rapidamente afundou matando muita gente muito mais em razão de não ter botes salva-vidas para todos do que pelo naufrágio em si. No entanto, isso não é tudo. No livro, o acidente acontece em abril, mesmo mês do naufrágio do Titanic, e os dois navios era muito próximos em tamanho e em velocidade, sendo que a velocidade maior para fins de demonstrar a potência do Titan foi um dos fatores que precipitou a colisão, exatamente como no caso do Titanic.
É ou não é impressionante? Claro que, depois do acidente real, Robertson foi visto quase que como um clarividente, mas ele mesmo afastou essas bobagens do imaginário popular e, hoje, a coincidência do que ele escreveu em relação ao que aconteceria 14 anos depois é normalmente tido como resultado da vasta experiência do autor com o mar e com a indústria naval, seja por ter sido filho de um capitão de navio lacustre, seja por ter trabalhado em navios por mais de 20 anos de sua vida antes de tentar mudar de profissão e chegar na de escritor, mas sem jamais deixar para trás seu interesse nos desenvolvimentos das tecnologias de construção de navios e as tendências desse nicho de mercado. Em outras palavras, Futilidade não foi um livro em que o autor foi presciente sobre um acidente e sim um claro e evidente aviso sobre o que inevitavelmente aconteceria se a indústria de cruzeiros de luxo da época seguisse pelo caminho que estava seguindo. Essa triste constatação, vale dizer, torna a tragédia de 15 de abril de 1912 ainda mais dolorosa, pois tinha tudo, absolutamente tudo para ter sido evitada, inclusive um livro de ficção explicando exatamente os detalhes de tudo o que ocorreria.
Retornando mais objetivamente ao livro, o terço inicial é dedicado ao acidente em si, apresentando também o marinheiro John Rowland, ateu e rejeitado pela mulher que ama justamente por ser ateu e, por isso, agora é alcoólatra, que é o único que percebe os problemas do navio antes e durante o acidente, salvando a filha de seu amor – que sim, está no navio – durante o naufrágio. O que segue, depois, é uma investigação da seguradora sobre os eventos que antecederam o acidente, com Rowland ganhando um papel destacada de testemunha mais importante para a seguradora que, claro, não quer pagar o prêmio por entender que houve negligência e uma tentativa de acobertamento do que realmente ocorreu. Essa abordagem até chama atenção, mas Robertson não consegue torná-la consistente ou realmente interessante ao longo de seu desenvolvimento, trabalhando muito mais em um formato de “ambiente fechado”, quase que como uma obra detetivesca, em que Rowland é interrogado pelas duas partes interessadas, com seu caráter sendo colocado em jogo em relação ao vício em bebida e assim por diante.
Não ajuda muito que tudo aconteça rapidamente demais depois do naufrágio, com decisões tomadas em um estalar de dedos e diálogos circulares em excesso que atravancam a narrativa mesmo considerando o tamanho acanhado do livro. O desenvolvimento de personagens segue na mesma toada. Aliás, devo dizer que somente Rowland é alguém que podemos chamar de personagem completo, ainda que mesmo ele seja função sobre forma na maior parte do tempo, sem uma real evolução ao longo da obra (e eu estou também considerando o final alternativo de Robertson que, sinceramente, pouco realmente acrescenta à história).
Futilidade ou O Naufrágio do Titan é uma novela que faz o queixo cair por descrever detalhes do naufrágio do Titanic que ocorreria 14 anos depois e por muito claramente ser um alerta que passou completamente despercebido pela White Star Line, responsável pelo famoso transatlântico. Aliás, fica a pergunta se os executivos da empresa conheciam a obra de Robertson e, arrogantemente, batizaram seu navio de Titanic para provar um ponto, ou se eles realmente a ignoravam completamente, levando a essa coincidência quase inacreditável. E, como não aprendemos nada com a História, essa com H maiúsculo mesmo, fica a mesma pergunta para o fatídico submarino de nome idêntico ao navio fictício criado por Robertson, que teve um fim também trágico em junho de 2023…
Futilidade ou O Naufrágio do Titan (Futility or The Wreck of the Titan – EUA, 1898)
Autor: Morgan Robertson
Editora original: McClure’s Magazine
Data original de publicação: 1898
Editora no Brasil: Vermelho Marinho
Data de publicação no Brasil: 1º de janeiro de 2014
Tradução: Carlos Daniel S. Vieira
Páginas: 112