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Crítica | Doctor Who: Cães Loucos e Ingleses, de Paul Magrs

Poodles com mãos.

por Luiz Santiago
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Cães Loucos e Ingleses é um romance comemorativo. Escrito por Paul Magrs, o livro recebe o título de 100º volume de Doctor Who lançado pela BBC Books, número obtido ao se combinar os lançamentos das séries literárias Eighth Doctor Adventures e também Past Doctor Adventures. É uma história que carrega fortemente a marca do autor, que gosta de misturar fantasia, ficção científica e pastiches diversos, criando cenários absurdos, impressionantes e muito divertidos. De cara, observamos que o 8º Doutor está visivelmente diferente, usando barba, o que nos indica que é uma trama que se passa logo após os eventos de A Aventureira da Rua Henrietta, livro anterior da série. De certo modo, também percebi uma mudança no comportamento e reações do Doutor, que está um tanto mais nervoso e até violento, chegando a usar o aikido venusiano contra um personagem.

Repleta de cenários e linhas do tempo, a trama é uma paródia da vida de Tolkien durante o seu período de escrita de O Senhor dos Anéis. Aqui, somos imediatamente introduzidos a um mistério intrigante relacionado ao escritor Reginald Tyler, autor de A Verdadeira História dos Planetas. A coisa começa a ficar interessante quando se apresentam pelo menos duas linhas do tempo relacionadas ao escritor. Em uma delas, ele morre em circunstâncias patéticas (ou suspeitas?) em 1974. Em outra, ele é transportado por um poodle com mãos humanas para “outro lugar”, onde muda a sua aventura com anões, espadas e magia para uma saga a respeito de como a Rainha dos Poodles perdeu o trono, e como ela volta para, através de uma revolução, conquistar o lugar perdido. Com essa premissa, Magrs cria a primeira grande janela narrativa, explorando a criação de uma nova realidade e do “fazer artístico” que ela inspira. Outra preocupação também é adicionada nesse ambiente: um filme sobre o livro está sendo produzido e será utilizado para incitar e mudar toda a organização política do Dogworld.

A história já começa introduzindo um problema para o Doutor e seus companheiros (uma acusação de assassinato), porque eles acabam esmagando, com a TARDIS, uma criatura semelhante a um pulgão — o professor Alid Jag, que se hospedava no hotel onde acontecia uma conferência acadêmica sobre a ficção científica terráquea do século XX. Colocado em contato com Mida Slike, a parceira pesquisas do professor Jag, o Senhor do Tempo fica sabendo de alguns detalhes sobre a pesquisa, estranha muitíssimo a citação alterada do enredo de A Verdadeira História dos Planetas, e é apresentado ao MIAOW (Ministério para Incursões e Maravilhas Ontológicas), que se opõe a grupos e locais nefastos no Universo que tentam alterar artefatos históricos para seus próprios propósitos. A partir desse ponto, a verdadeira ação do romance acontece, e temos nesse miolo da obra um de seus melhores momentos, com a atenção dividida em três lugares: Inglaterra, 1942; Las Vegas, 1960 e Los Angeles (Hollywood), 1978. A presença de um mago dos efeitos práticos e stop-motion, a presença de Noël Coward e da misteriosamente anacrônica cantora Brenda Soobie (uma das encarnações de Iris Wildthyme) tornam os blocos dos Estados Unidos divertidíssimos, enquanto a presença do Doutor na Inglaterra vai se tornando cada vez mais… enjoativa.

Considerando o caráter da história e a separação dos 3 grupos, acredito que o autor tenha conseguido dar espaço suficiente de atuação para o trio principal de personagens (o Doutor, Fitz e Anji), o que não significa que todos possuem bons diálogos e estejam o tempo inteiro cercado de um bom enredo. No caso do Time Lord, o ambiente que ele ficou de investigar é demasiadamente sisudo, contrastando com a maluquice colorida do restante do livro, daí a minha rejeição maior ao bloco. Já no caso de Anji Kapoor, seu tratamento me pareceu uma junção de lamentos com reações abruptas ao que ocorria no exterior. Se por um lado, isso faz a personagem trabalhar bastante; por outro, nos faz questionar a qualidade ou mesmo a serventia do que ela faz. Quem acaba tendo o melhor de todos os aspectos em estrutura dramática é Fitz, que se apaixona por Brenda e acaba lhe roubando um tempinho de fala e cenas. Confesso que estranhei o fato de o autor não colocar Iris (Brenda) em maior destaque. No final, ela se mostra mais, fala mais, só que respondendo às resoluções bobinhas que ali ocorrem, diminuindo a graça e o impacto de sua indignação em relação ao Doutor e a desculpa de ter dado a Noël Coward uma tesoura especial que corta a malha do espaço-tempo e permite viajar à vontade.

O final estranhamente ingênuo de Cães Loucos e Ingleses não é capaz de tirar o brilho do ótimo início e desenvolvimento da história. Mesmo depois de ler o excelente A Imperatriz Escarlate, ainda acho que Mad Dogs carrega um maior número de ingredientes da caótica identidade literária do autor, mesmo que não colocadas com tanta qualidade assim, especialmente em seu encerramento. É um livro engraçado, repleto de referências a diretores de cinema e escritores, e com uma trama envolvendo poodles inteligentes (e outros animais falantes), luta pelo poder de um império e manipulação da História através da arte, numa paródia tolkieniana com pitadas de C.S. Lewis e nuances de Lovecraft. Eu gostaria muito mais se Iris tivesse um amplo destaque, mas ainda assim, esta é definitivamente uma obra muito gostosa de ler.

Cães Loucos e Ingleses (Mad Dogs and Englishmen) — Reino Unido, 7 de janeiro de 2002
BBC Eighth Doctor Adventures #52
Autor: Paul Magrs
Editora: BBC Books
260 páginas

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