- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas de todos os episódios da série e, aqui, de todo nosso material do universo The Walking Dead.
Desde a morte de Glenn nas mãos de Negan, nunca achei que The Walking Dead realmente conseguiu alcançar o nível de qualidade e sucesso de suas temporadas iniciais, mas a produção ainda tinha seus momentos. Desde a morte de Rick, então, a situação se degringolou de tal forma que agora temos spin-offs e mais spin-offs que apenas têm manchado um universo que merecia muito mais. O anúncio de The Ones Who Live, portanto, é praticamente uma faca de dois gumes, porque finalmente traz de volta duas das melhores figuras da série original ao mesmo tempo que aparenta ser mais uma obra empilhada nos derivados baratos que fomos amaldiçoados nos últimos anos.
Surpreendentemente, Years, o episódio de abertura da minissérie (ou série, vamos ver), é quase um retorno à forma de TWD, nas mãos do já conhecido Scott M. Gimple, dessa vez acompanhado por Andrew Lincoln e Danai Gurira como criadores/roteiristas para além de estrelarem a produção como Rick e Michonne. Eu sei que estava otimista no início das terríveis Dead City e Daryl Dixon, mas estou confiante com The Ones Who Live, que apresenta uma narrativa que é tanto uma expansão de universo quanto uma possível história romântica de qualidade dramática que a franquia não vê há algum tempo.
Em linhas gerais, o primeiro episódio serve para estabelecer o contexto da história e explicar o que ocorreu com Rick – aparentemente, o segundo episódio deve fazer o mesmo com Michonne, que aqui ganha poucos minutos de tela. Em síntese, descobrimos que o personagem sobreviveu à explosão na ponte (sem muitos detalhes sobre como, vale ressaltar), e acabou parando em uma sociedade gigantesca que vive em segredo através da proteção militar da CRM, uma organização que já pipocou de forma arbitrária em várias partes da franquia. Como parte das regras do local, Rick é obrigado a trabalhar e não pode fugir para encontrar Michonne, eventualmente aceitando uma oferta do tenente Okafor (Craig Tate), que, junto de uma mulher chamada Pearl Thorne (Lesley-Ann Brandt), pretende reconstruir e mudar a CRM por dentro com a ajuda do protagonista.
De início, gostaria de elogiar a carga dramática do episódio. Fazia muito tempo que não sentia o peso de luto, amor, remorso, desesperança e resiliência em TWD, que gradualmente vem se tornando uma novelinha ruim com seus melodramas repetitivos. Aqui, Andrew Lincoln retorna de forma triunfal para o quebrado e perturbado Rick, que não tem limites para suas ações e sacrifícios, inclusive cortando sua própria mão em uma sequência visceral e chegando a contemplar suicídio em uma das cenas mais emocionalmente autênticas que a franquia nos presenteia em anos. O diálogo ainda vacila aqui e ali em certas exposições desnecessárias e pouco sutis, como quando Thorne confronta Rick sobre sua esposa perdida, mas de forma geral é um episódio dramaticamente bom que apresenta potencial quando se envolve em narrativas visuais, como na edição excruciantemente boa de Rick tentando fugir a todo custo, garra e resistência. Ajuda termos um ator principal que é um mestre em expressões e olhares (olhando diretamente para você Norman Reedus…).
Outro lado a ser elogiado no episódio é o cenário apresentado. Algo que destaquei nos derivados de Dead City e Daryl Dixon, foram sua Nova York isolada e a França medieval, respectivamente, apresentando ao público espaços e palcos criativos e, mais importante, contidos. Nesta série, é de se apreciar a introdução da CRM, seus diversos segredos e o grande escopo que a região oferece à mitologia da franquia, explorando até uma possível história que envolva temas políticos e sociais na hierarquia militar/governamental que Rick quer subir, bem como no plano de remodelar a liderança do pouco que resta do mundo. Honestamente, não acredito que os roteiristas vão ter habilidade para se aprofundar nisso, até porque neste episódio em si os planos de Okafor são meio atrapalhados, forçados e utópicos demais para o cinismo da franquia, algo enfatizado pelo desfecho do personagem (apesar da ótima quebra de expectativa, é uma pena ele sair da série, porque o intérprete tem presença e carisma) e pela aparição de Michonne, indicando que estamos verdadeiramente num romance trágico.
Algo que não gostei tanto em Years é a montagem, que vai e volta o tempo todo através de narrações em off dispensáveis e muita construção narrativa de memórias/nostalgia sobre o passado de Rick e Michonne, que até são emocionais em determinados momentos (importantes também, dado a premissa de uma história sobre o relacionamento deles), mas o episódio pesa a mão em recontextualizações e explicações. Dou crédito por se tratar de um episódio com caráter introdutório, mas tenho preocupações em relação ao próximo episódio ser exatamente igual, só que da perspectiva de Michonne, e do restante da temporada em si ter esse tipo de encaminhamento que engessa o desenvolvimento da trama. Também me preocupo com o número de ligações e conexões que a produção parece querer fazer, pois prefiro a ideia de uma narrativa contida, mesmo entendendo a intenção de expansão.
Inclusive, de um lado positivo, é possível notar essa vontade de aumentar a escala da franquia na direção intensa do duo Bert & Bertie, que traz algumas sequências realmente potentes e dramaticamente carregadas, com destaque para a set-piece do helicóptero, que tem surpresa, estresse, ação e volume para terminar o episódio de forma bombástica. Faltou horror na direção, com os zumbis novamente sendo escanteados ao longo da narrativa, mas estou fazendo pazes com o fato de que a ameaça dos mortos-vivos está verdadeiramente morrendo na franquia, mas veremos. De forma geral, The Ones Who Live tem um começo promissor ao nos introduzir a um novo mundo dentro de uma história sobre personagens já conhecidos. Espero que o trágico romance de Rick e Michonne em meio a mais uma guerra social pós-apocalíptica seja o retorno da franquia ao nível que pode alcançar.
The Walking Dead: The Ones Who Live – 1X01: Years (EUA, 25 de fevereiro de 2024)
Desenvolvimento: Scott M. Gimple, Danai Gurira, Andrew Lincoln
Direção: Bert & Bertie
Roteiro: Scott M. Gimple, Danai Gurira, Andrew Lincoln
Elenco: Danai Gurira, Andrew Lincoln, Pollyana McInstosh, Terry O’Quinn, Craig Tate, Lesley-Ann Brandt
Duração: 60 min.