House of Ninjas é uma produção japonesa concebida e comandada pelo cineasta americano Dave Boyle que, conforme seu currículo deixa bem claro, é especializado em obras conectadas de alguma forma com a Ásia, mais especificamente com o Japão, que tenta reativar a “moda ninja” – fora do universo das Tartarugas Ninja, obviamente – no audiovisual, moda essa que viveu de espasmos e que talvez tenha chegado com mais força no ocidente nos anos 80, com trasheiras hilárias como a franquia American Ninja (ou Guerreiro Americano, como ficou conhecida no Brasil) e outras pérolas do mesmo naipe. As grandes vantagens da série é que ela tenta ser legítima de verdade, sem marretar americanos e outros ocidentais como salvadores da pátria que são inevitavelmente melhores do que todos ao redor e, mais do que isso, sem emprestar poderes sobrenaturais aos ninjas, algo que sempre detestei (vide aquela coisa horrorosa chamada Ninja Assassino, de 2009).
A premissa é, basicamente, Os Incríveis, só que com shinobis (ninja, apesar de ser o termo mais popular no ocidente, é a leitura em mandarim dos caracteres que formam a palavra), ou seja, uma família aposentada composta de shinobis que vive na tranquilidade em uma literal “casa de ninjas” até que, seis anos depois dessa aposentadoria causada pela morte do filho mais velho, um inimigo ancestral retorna, forçando-os a vestir os uniformes pretos e a portar katanas e outros instrumentos mortais. Boyle faz esforço para agradar gregos e troianos em sua criação, primeiro utilizando citações à shinobis históricos reais, especialmente Hattori Hanzo e Fuma Kotaro, com a família Tawara, a protagonista, sendo descendente direta de Hanzo e Fuma Kotaro sendo – como era – um título passado de geração em geração não necessariamente conectada por sangue, com o 19º Fuma Kotaro (Takayuki Yamada) sendo o tal inimigo que ressurge como um líder de um culto religioso batizado de Gentenkai.
Além disso, Boyle tenta ao mesmo tempo fazer uma série de pegada adulta e séria com sobretons cômicos. Se a tal ancestralidade funciona, essa mistura tonal não é algo fácil de se embarcar, especialmente porque os roteiros iniciais não sabem muito bem o que querem ser, se uma coisa ou outra e falhando também na mistura homogênea que, ainda bem, a temporada acaba alcançando lá pela sua metade. A abordagem séria vem principalmente do trauma do segundo filho da família Tawara, Haru (Kento Kaku) que se culpa pela morte do irmão por não ter matado, quando teve a oportunidade, aquele que viria a ser seu assassina e de uma pegada até surpreendentemente violenta, mas aqueles exageros teatrais de sangue jorrando para todos os lados como em produções de artes marciais chinesas e japonesas dos anos 60 e 70. O lado cômico vem da dinâmica familiar, com uma Vovó Shinobi (Taki, vivida por Nobuko Miyamoto) que é absolutamente impagável e de longe a personagem mais intrigante da série (já quero uma série spin-off só dela!), um Pai Shinobi (Souichi, vivido por Yōsuke Eguchi), que tem dificuldade de manter de pé a fermentaria da família, uma Mãe Shinobi (Yoko, vivida por Tae Kimura) que passa seu tempo usando sua habilidade para furtar produtos em lojas e supermercados, uma Filha Shinobi (Nagi, vivida por Aju Makita) que nunca chegou a ser oficialmente uma shinobi, mas que se diverte furtando e devolvendo artefatos de museus e, finalmente, o pequeno Riku (Tenta Banka), que tinha dois anos quando seu irmão mais velho morreu e, portanto, é mantido em completa ignorância sobre o que exatamente é (ou foi) sua família.
Em cima disso tudo, há uma razoavelmente surreal Bureau de Administração Ninja, um braço governamental criado para controlar e dar apoio aos shinobis, que é comanda por Jin Hamashima (Tomorowo Taguchi) que usa de todas as artimanhas possíveis para fazer a Família Tawara retornar à ativa, incluindo chantagem. E, claro, shinobis em um mundo moderno que continuam utilizando instrumentos cortantes como suas armas preferidas são um anacronismo por si só hilário, especialmente considerando que a tecnologia é mantida em um mínimo por toda a temporada que poderia muito facilmente – não fossem os celulares – se passar nos anos 80.
Até a série alcançar seu equilíbrio, o que a segura é justamente seu lado mais cômico. Depois que determinado personagem retorna para a surpresa de absolutamente ninguém, a abordagem mais séria ganha uma proporção maior e sufoca a comicidade em prol da ação e da aventura, com graus cada vez maiores de sanguinolência. Mesmo nesse ponto da série, porém, os roteiros, que são repletos de reviravoltas, cansam pela forma quase amadora como tudo – absolutamente tudo – é telegrafado em seus mínimos detalhes. Diferente de como os shinobis agiam originalmente, falta sutileza aos textos e à forma como as coisas são visualmente mostradas, já que os vilões são sempre mega-vilões que parecem sair de desenhos animados e os bonzinhos são sempre fofíssimos, com aqueles que são feitos para serem ambíguos parecem ter “ambiguidade” escrito em suas respectivas testas. Até mesmo a única personagem externa aos shinobis, a jornalista Karen Ito (Riho Yoshioka), que começa a juntar as peças do que aconteceu há seis anos com o que está acontecendo no presente e se aproxima de Haru primeiro para investigá-lo e, depois, acaba obviamente envolvendo-se amorosamente com ele (que, por alguma razão idiota, precisa manter-se puro e virgem…), parece não ter mais função a partir do ponto em que é levada secretamente para a casa dos shinobis, com o roteiro basicamente esquecendo-se dela, ou melhor, esquecendo-se de dar-lhe alguma função maior do que ser um instrumento para fazer Haru uma marionete de Jin.
E, por último, talvez mais do que o normal em obras serializadas, essa primeira temporada dedica tempo demais a estabelecer uma segunda temporada e tudo isso, claro, telegrafando tudo o que vai acontecer (se alguém não sacar o porquê de a política ter sido sequestrada há seis anos, precisa definitivamente ver mais filmes e séries) a cada minuto, sem deixar que o espectador pense. É como se a 1ª temporada fosse um prelúdio e, de fato, ela o é, tanto que há tão pouco conteúdo narrativo que tudo poderia muito facilmente ter sido comprimido em um longa metragem de duração regulamentar sem que nada se perdesse. No lugar de privilegiar uma narrativa mais fechada que deixasse pontas para o futuro, o que Dave Boyle faz é o contrário, fazer uma narrativa aberta que empurra tudo para o futuro.
Mas, no final das contas, eu tenho um fraco com samurais e ninjas e House of Ninjas tem o inegável mérito de tentar fazer com que a “moda ninja” pegue novamente, algo que eu não me importaria em nada se realmente acontecesse. Lógico que a temporada poderia ser muito melhor, mas ela tem uma boa autenticidade – ainda que por vezes forçada -, boa personalidade graças à Família Tawara, e preza por um realismo nas sequências de ação que foge até mesmo do uso de wire-fu e outros malabarismos exagerados, algo raro de se ver hoje em dia. House of Ninjas, portanto, apesar de todos os seus pesares, foi uma boa surpresa do Netflix. E só para reiterar: eu não estava brincando quando disse que queria um spin-off da Vovó Shinobi!
House of Ninjas – 1ª Temporada (忍びの家: Shinobi no Ie – Japão, 15 de fevereiro de 2024)
Criação: Dave Boyle
Direção: Dave Boyle, Kento Kaku
Roteiro: Dave Boyle
Elenco: Kento Kaku, Yōsuke Eguchi, Tae Kimura, Kengo Kora, Aju Makita, Nobuko Miyamoto, Riho Yoshioka, Tomorowo Taguchi, Bambi Naka, Tokio Emoto, Mariko Tsutsui, Kyusaku Shimada, Pierre Taki, Tenta Banka, Takayuki Yamada
Duração: 425 min. (oito episódios)