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Crítica | Nimona (2023)

Eu vejo você, Nimona.

por Rodrigo Pereira
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Ballister Blackheart (Riz Ahmed) está prestes a encarar talvez o dia mais importante de sua vida: a nomeação como cavaleiro do reino. Para além das honras e glórias de se tornar um protetor admirado de sua terra, tal feito é ainda mais importante para ele, já que será o primeiro sem linhagem nobre a receber o título em toda a história do reinado. Suas aspirações, no entanto, são impedidas quando é acusado injustamente de um crime grave e, de repente, passa a ser odiado e perseguido por todos. Sua única salvação parece ser Nimona (Chloë Grace Moretz), uma pessoa com personalidade totalmente oposta a do cavaleiro, extremamente divertida, absolutamente caótica e que guarda segredos que influenciarão o futuro da dupla e de todo o reino.

Indicado ao Oscar 2024 na categoria de Melhor Animação, Nimona foi de cancelado pela Disney a ser resgatado e lançado pela Netflix até marcar presença na maior premiação do cinema. E é curioso ver como tal situação conversa perfeitamente com a história da obra. 

Nimona é muitas coisas ao mesmo tempo: animação divertida, história de mocinhos contra vilões, conto de fadas, etc. Mas, acima de tudo, é um filme sobre o medo. O medo do desconhecido, do diferente, de não ser bom o bastante, de não ser aceito por quem realmente é, etc. Em alguma escala, todas as personagens apresentam esse sentimento bastante vivo ao longo da obra, gerando desde casos menores, como algum conflito pessoal interno, até realmente situações capazes de influenciar uma sociedade inteira.

No primeiro caso, podemos citar como exemplo a protagonista homônima, que também conversa com quem criou a história. Nate Stevenson, cartunista criador de Nimona, se identifica como uma uma pessoa não binária e é visível como essa questão se apresenta na obra, com Nimona sempre dizendo ser Nimona quando ouve a pergunta “o que você é de verdade?”. A irritação da personagem com esse questionamento reflete a vivência do criador e demais pessoas que passam por semelhante situação, quando precisam repetidamente reafirmar sua identidade perante a sociedade. Algo que, por sua vez, conversa com o medo de ser quem é, seja para evitar esses momentos, no mínimo, desagradáveis ou para se proteger de julgamentos, perseguições e ódio gratuito de terceiros.

Já no segundo caso, a forma como a população reage a Nimona e aos “monstros” que rondam o reino (que não representam ameaça alguma, já que não existem) é a perfeita alegoria de como instigar medo numa sociedade tem um efeito poderoso, controlador e destrutivo. Para que alguns mais privilegiados sintam alguma segurança, é preciso marginalizar e demonizar uma imensa maioria, criando uma desigualdade social tão gritante que atos, no máximo, mitigadores são vistos como grandes exemplos de avanço social. A permissão de um não nobre, como Ballister, de se tornar um cavaleiro é a prova disso: você e demais semelhantes poderão, finalmente, gozar de algum prestígio, mas apenas como defensores do modelo que os oprime e perpetua todo esse medo.

É a única forma de manter tal organização social em pleno funcionamento,  e as crianças do reino demonstram o porquê. Medo e ódio precisam de incentivos constantes para que seus efeitos possam ser usufruídos em totalidade. Caso isso não ocorra, as gerações vindouras questionarão e perceberão a falta de sentido nessas ações e serão contrárias a elas, impossibilitando que ideais tão vis se perpetuem por milênios ou mais (qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência).

Nimona percebe isso com maestria e transforma em uma divertidíssima aventura. Perdi a conta de quantas vezes acabei retornando para o início de alguma cena só para rever alguma situação engraçada que tinha acabado de assistir. Como o tema do medo é pesado, no entanto, ele  acaba forçando seu protagonismo cedo ou tarde e saber lidar tão bem os momentos leves com os de mais seriedade talvez seja um dos maiores trunfos do filme. É ótimo saber que, assim como na história, houve uma luz em meio a escuridão para que essa obra acontecesse.

Nimona — EUA, Reino Unido, 2023
Direção: Troy Quane, Nick Bruno
Roteiro: Chloë Grace Moretz, Riz Ahmed, Eugene Lee Yang, Frances Conroy, Lorraine Toussaint, Beck Bennett, RuPaul, Indya Moore, Julio Torres, Sarah Sherman, ND Stevenson, Mia Collins, Zayaan Kunwar, Charlotte Aldrich, Karen Ryan, Nick Bruno, Troy Quane, Julie Zackary, Randy Trager, Christopher Campbell, Cindy Slattery, Matthew J. Munn, Sommersill Tarabek, Sebastian Trager, Sadie Trager, Taryn Bruno, Lincoln Davis, Lylianna Eugene, Tim Nordquist, Maurissa Horwitz, Jake Bruno, Jarrett Bruno, Wesley Turner
Duração: 102 min.

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