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Crítica | Monstros da Universal: Drácula

Uma vibrante nova adaptação do filme de 1931.

por Ritter Fan
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Apesar de normalmente virar o nariz para continuações, remakes, reboots, acho fascinante o poder transformativo das artes. Ver uma canção ser adaptada como obra audiovisual, uma peça teatral ganhar uma versão em audiodrama ou um romance ser convertido em quadrinhos é sempre uma experiência interessante, que pode resultar em grandes surpresas quando quem adapta consegue preservar o espírito da obra original e ao mesmo tempo fugir de meras e inúteis transliterações. E, claro, quando temos o privilégio de consumir uma progressão de transformações, tudo ganha uma camada ainda mais desafiadora. E esse é o caso de Monstros da Universal: Drácula, minissérie em quadrinhos em quatro edições escrita por James Tynion IV e desenhada – ou melhor, pintada – por Martin Simmonds que promete ser a primeira de várias adaptações dos famosos filmes dos anos 30 da Universal que deram vida às criaturas da literatura vitoriana (e outras) pelo selo Skybound, da Image Comics, dedicado a propriedades licenciadas.

A proposta, como o título deixa bem claro, não é adaptar para os quadrinhos o romance Drácula, de Bram Stoker, mas sim uma de suas versões audiovisuais mais célebres – a primeira com som, aliás – que é a de 1931, com o vampiro titular vivido por Bela Lugosi (obviamente que não falo, aqui, da versão do mesmo ano em espanhol). O que pouca gente se lembra é que o filme de 1931 também não era uma adaptação direta do romance, mas sim da versão teatral de 1924 dele, escrita pelo dramaturgo Hamilton Deane e estrelada pelo próprio Lugosi, o que acrescenta mais um degrau nessa escada de adaptações. E, quem já leu o livro e assistiu o longa de 1931 de Tod Browning sabe que uma das mais interessantes características do filme é sua capacidade de concisão, extraindo do romance a base narrativa do romance, mas acelerando-a consideravelmente. E, na versão em quadrinhos sob análise, James Tynion IV continua essa tendência, iniciando sua narrativa não com o périplo de Renfield ao castelo de Drácula e sua conversão no servo do vampiro, mas sim com ele já em Londres, internado no manicômio e tratado por um Dr. Seward que não entende o que se passa com ele.

Com isso, o roteirista “economiza” páginas e, ao mesmo tempo, destaca Renfield na narrativa, algo que é amplificado pela magnífica arte de Martin Simmonds que reinventa o personagem comedor de insetos como uma criatura fantasmagórica, branca, com olhos desesperados e boca com dentes afiados, mas quase que sem as demais feições do rosto humano e que fala o tempo todo em seu misterioso “mestre”. Os eventos no navio Vesta (Demeter no romance) são mencionados apenas quase que como uma lenda urbana, assim como as mortes de jovens que ocorrem pela cidade. O Conde Drácula aparece apenas silenciosamente, seja socialmente em raras oportunidades, seja em sua luxúria sanguinária em relação a Lucy e, depois, Mina Seward. Até o final da terceira e penúltima edição, Drácula permanece, portanto, nas sombras, com suas ações – que ninguém sabe que partem dele – tomando os diálogos com cada vez mais intensidade e gerando um debate entre ciência e superstição que coloca o Dr. Seward em confronto com o Dr. Abraham Van Helsing e suas explicações exotéricas para o que vem acontecendo. Somente na última edição é que o vampiro ganha o que podemos chamar de efetivo e direto antagonismo, mas mesmo assim com sua presença sendo mantida como um grande mistério.

O trabalho de adaptação de Tyninon IV é muito eficiente, portanto, mas o que realmente destaca a minissérie é a arte pintada de Simmonds que, apesar de se valer da iconografia do longa de 1931, não faz uso das feições de Lugosi e dos demais membros do elenco. Seja em grandes painéis que ocupam páginas inteiras, seja quando usa seis e até mais pequenos quadros para lidar com sequências de mais ação, o deslumbramento visual é constante, com suas cores fortes e contrastante com o preto e o cinza criando explosões magníficas em cada páginas. Além disso, Simmonds faz algo que é raro de se ver nos quadrinhos, mas que uma adaptação de Drácula simplesmente precisava ter, que é o uso de sequências fortemente sensuais, com a lascívia tanto das mulheres quanto do próprio vampiro escorrendo pelas páginas como uma força avassaladora e violenta. É como observar quadros em um museu e isso, lógico, tira um pouco da dinâmica da narrativa, com Simmonds preferindo focar em grandes momentos estáticos que insinuam ação do que na ação propriamente dita, uma escolha que reputo ser a melhor para o seu tipo de arte.

De romance para o teatro, para o audiovisual e, agora, para quadrinhos, a progressão de adaptações desse Drácula bem particular que se tornou mais conhecido pelo longa de 1931 é realmente fora de série. Cada uma das três adaptações preserva suas peculiaridades que levam em consideração as mídias e as personalidades de seus autores e todas elas conseguem perpetuar a essência da criação original de Bram Stoker. Agora resta saber se as possíveis outras minisséries abordando os Monstros da Universal terão o mesmo sucesso em suas respectivas empreitadas.

Monstros da Universal: Drácula (Universal Monsters: Dracula – 2023/2024)
Contendo: Monstros da Universal: Drácula #1 a 4
Roteiro: James Tynion IV
Arte: Martin Simmonds
Letras: Rus Wooton
Editoria: Alex Antone
Editora: Skybound Entertainment (Image Comics)
Datas de publicação: 25 de outubro, 22 de novembro e 27 de dezembro de 2023; e 24 de janeiro de 2024
Páginas: 129

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