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Crítica | Meu Amigo Robô (2023)

O poder e a fragilidade das amizades.

por Ritter Fan
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Baseado em uma ótima graphic novel homônima voltada para o público infantil que Sara Varon publicou em 2007, Meu Amigo Robô é uma produção franco-espanhola capitaneada por Pablo Berger que não só mantem a ousada abordagem agridoce da obra original que a elevou a algo mais do que apenas uma HQ para crianças, como consegue ser uma adaptação que usa a transposição de mídias para melhorar o material fonte, resultando em um longa animado sólido que não trai o público alvo original, mas oferece camadas suficientes para qualquer adulto apreciar esse retrato de uma amizade inusitada que sofre um revés que separa os amigos por vários meses.

A premissa é enganosamente simples, com um cão antropomórfico (em um mundo sem humanos, apenas animais antropomorfizados) que vive solitariamente em seu apartamento em Nova York comprando um robô para fazer dele seu melhor amigo, um laço que se estabelece imediatamente, mas que um passeio à praia no último dia de verão acaba forçando com que o cão abandone o robô por lá. Essa separação faz com que o cão, mesmo esforçando-se para retornar ao amigo metálico, procure outras alternativas de socialização, enquanto que o robô, paralisado na areia da praia, começa a sonhar com seu retorno ao cão, o que justifica o título original Robot Dreams, por sua vez certamente inspirado na coletânea de contos de Isaac Asimov, lançada por aqui como Sonhos de Robô.

Quando digo que a premissa é enganosamente simples, é porque levo em consideração o público alvo primário tanto da graphic novel quanto da animação. Com mais constância do que o realmente necessário, obras voltadas às crianças pequenas fazem de tudo para criar uma rede de proteção ao redor delas, rede essa que idealiza o mundo, as pessoas e, principalmente, comportamentos. Um cão antropomórfico vivendo em um apartamento novayorkino nos anos 80 (diversos elementos situam o filme nessa década, o mais proeminente deles sendo a aparição de Naranjito, o mascote da Copa do Mundo de 1982, na Espanha, também uma piscadela para o país natal de Berger) pode ser fofo, mas não um cão antropomórfico solitário com claras dificuldades de estabelecer contatos… hummm… “humanos” com seus pares e que supre esse vazio com um ser artificial. Imediatamente percebe-se uma proposta mais sofisticada, algo que só é amplificada pela separação dos dois grandes amigos e, claro, pela forma como o final é encaminhado.

O roteiro – todo ele baseado em imagens, pois, assim como na graphic novel, não há falas – é cuidadoso em trazer os elementos adultos dentro de uma proposta essencialmente lúdica, que funciona perfeitamente para contar uma história pouco usual para a idade foco sem fazer uso de imagens chocantes e fora de esquadro. Muito ao contrário, a abordagem é humana e natural, uma “fatia da vida” muito verdadeira e honesta que conversa com o espectador sobre solidão e sobre o valor e a força, mas ao mesmo tempo a fragilidade das amizades. Somos todos seres sociais, como dizem por aí, mas nem todos nós temos realmente a capacidade de socialização e de manter amizades perenes e imutáveis ao longo da vida. Muita coisa acontece em nossa jornada e os pequenos precisam justamente ser expostos a esse tipo de realidade mais dura, algo que Meu Amigo Robô faz com elegância e inteligência.

E essa elegância e inteligência traduzem-se também nos visuais da animação. Com traços simples e cores chapadas no estilo Linha Clara popularizada por Alain Saint-Ogan e Hergé, que mantêm o estilo de Varon, mas ganhando mais acabamentos e detalhes, esse mundo antropomórfico é rico, colorido e muito agradável, seja no confinamento do apartamento do cão, seja nos passeios pela cidade da dupla, seja no fatídico dia na praia e, claro, nos belos e variados sonhos robóticos que decorrem dele. Para fazer isso, Berger empregou algo raro nas animações modernas: o bom e velho desenho à mão, sem ajuda evidente de poder computacional. Diria que apenas por isso e pelo fato de não haver diálogos, Meu Amigo Robô já merece toda a aclamação possível, mas a animação vai além justamente por não se esquivar dos aspectos anti-contos de fada que abordei mais acima.

Meu Amigo Robô é um pequeno deleite audiovisual que agradará filhos, pais e avós e, melhor ainda, provavelmente levará a indagações dos filhos sobre os temas da obra que, se respondidas pelos adultos de maneira sóbria, sem rodeios e floreios, só beneficiará os pequenos enredomados em seu mundinho em que tudo tem aquele final esperado feito justamente para evitar perguntas. Pablo Berger, com uma cajadada só, fez um longa que não trata as crianças como seres feitos de cristal e que retorna aos bons e velhos tempos das animações desenhadas no estilo antigo e, ainda por cima, sem qualquer ajuda da verbalização de ideias. Nada mal para “apenas um desenho para crianças”, não é mesmo?

Meu Amigo Robô (Robot Dreams – Espanha/França, 2023)
Direção: Pablo Berger
Roteiro: Pablo Berger (baseado em graphic novel de Sara Varon)
Elenco: não há
Duração: 102 min.

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