Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Bonequinha de Seda (1936)

Crítica | Bonequinha de Seda (1936)

Cinema brasileiro de importação.

por Fernando JG
134 views

Dirigido por Oduvaldo Vianna, Bonequinha de Seda é estrelado por Gilda de Abreu no papel de Marilda, que chega ao bairro sob notícia de que viera diretamente de reconhecidas escolas de Paris. Com elegância e um sotaque típico, a jovem, educada fora do Brasil, encanta a todos ao mesmo tempo em que causa inveja por onde passa. Sua verdadeira origem torna-se objeto do nó fílmico e o que se revela ao final é uma inesperada reviravolta no curso das ações do enredo. Um roteiro tipicamente realista, o cineasta aborda o arrivismo social sob o protagonismo feminino, com muito cinismo e alguma ironia. 

Em “Ao vencedor, as batatas”, Roberto Schwarz escancara um problema da forma literária que recai sobre o romance brasileiro do século XIX, e que, de longe, parece tomar conta de todo o processo narrativo de Bonequinha de Seda – mesmo em sua hipotética dimensão irônica, condição esta a qual não posso afirmar categoricamente. No seu ensaio, o conceito de “ideias fora do lugar” ilumina uma determina importação massiva das formas e temas europeus para a fabricação do material literário brasileiro, que não era e nunca foi compatível com a realidade histórica do Velho Mundo. 

São ideias fora do lugar porque o liberalismo o qual se pregava chegava ao Brasil num desarranjo absurdo. Enquanto na Europa as ideias liberais iam ao encontro de uma mudança social vigorosa, no Brasil importava-se ideias de liberdade em pleno vigor de um escravismo vergonhoso. Os problemas domésticos de uma burguesia nascente não é o mesmo num romance de Balzac e num José de Alencar ou Machado de Assis

Dito isso, Bonequinha de Seda é o exemplo de uma forma importada, de uma ideia fora do lugar, que relata a vida cotidiana de trabalhadores burgueses livres cuja principal inspiração encontra-se numa concepção parisiense da vida. O brilho da torre de ferro, a beleza do “R” gutural, o life style semi aristocrata, a distinção de saber a língua da moda. O filme revela um desajuste e pouco assemelha-se ao seu berço natal. 

Uma estética cafona se avista e então temos uma mise-en-scène fora do lugar. Apesar de flertar com jogos satíricos, reproduz um retrato em preto e branco que desenha o modus operandi da elite brasileira aculturada de Brasil, educada numa Europa decadente e que rejeita o labor nacional. Como bem reitera a personagem de Conchita de Moraes trajada de alta costura num país de clima tropical: “está calor aqui, não é?”. A ironia fílmica apresenta-se. 

Não tenho notícias de que o Joaquim Pedro de Andrade chegou a comentar este filme, mas de certo o cineasta acertou em cheio quando lidou com o seu O Homem do Pau-Brasil como uma ironia cortante da efervescência cultural brasileira dos anos vinte, da qual Bonequinha de Seda menos ácida e mais conformista já havia sido o exemplo estéril da crítica que concebe Joaquim nos anos 90. O triunfo do filme de Oduvaldo Vianna, em sua defesa, é a sátira polida numa estrutura caricatural do viralatismo de uma burguesia que preocupa-se unicamente com a sua representação social e distinção. “Esse Rzinho é encantador. A nossa língua devia ter esse Rzinho”, como afirma o personagem a que chamam de João Siqueira. 

O filme inaugura uma postura mais séria do cinema brasileiro, abdica de adaptações literárias simplórias como fazia no início, adota um roteiro robusto, de protagonistas múltiplos, com cortes sutis e montagem continuada com a finalidade de superproduzir uma grande obra para o cinema nacional. E dá certo. Afinal, esta foi a primeira grande bilheteria nacional, dominando por semanas as sessões de cinema, fruto do da primeira lei de apoio à “indústria cinematográfica nacional” criada por Getúlio Vargas. Isso, aliada a uma atuação de destaque de Gilda de Abreu, que domina a personagem que lhe fora atribuída, transforma este no principal filme dos anos 30, um paradigma do que era possível fazer daqui em diante. 

Num geral, o roteiro é todo cheio de firulas, com bobagens que poderiam ser removidas em prol de uma maior seriedade nos diálogos, com problemas de maior calibre. Tudo gira em torno de forjar uma pseudo sociedade e fazer a personagem estar no meio. Falta, contudo, maior ousadia dramática, arriscar, talvez num suspense da descoberta. É inevitável que algo esteja faltando no aparato textual, apesar de algumas belas imagens, sobretudo a sequência do espelho. Bonequinha de Seda mantém-se por dois pilares: Gilda de Abreu e por uma técnica cinematográfica que se faz dentro do estúdio, como pouco se fazia até então, muito em razão do trabalho produtivo de Adhemar Gonzaga. Perde em roteiro, compensa em outros aspectos de importância fílmica que mascaram pequenos problemas aqui e acolá no decorrer da película. 

Bonequinha de Seda (Brasil, 1936)
Direção: Oduvaldo Vianna
Roteiro: Oduvaldo Vianna
Elenco: Gilda de Abreu, Delorges Caminha, Conchita de Moraes, Darcy Cazarré, Mira Magrassi, Apolo Correia, Carlos Barbosa
Duração: 115 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais