Retorno a Pilares (Os Homens-Onça) é um verdadeiro épico de Tex, a maior história do personagem. Originalmente publicada entre janeiro e junho de 1993, a aventura totaliza 624 páginas e é uma saga com bons ingredientes de weird western (algo comum nas histórias em que aparecem El Morisco), perpassando as edições 387 a 392 da série regular do Águia da Noite. Com roteiro de Guido Nolitta (Sergio Bonelli), a trama coloca o protagonista em uma situação onde a investigação se torna praticamente impossível, dada a falta de pistas e a ação praticamente aleatória dos vilões, os homens-onça. O título Retorno a Pilares dá conta da ação que abre a saga. Tex deixou seu filho Kit e um amigo navajo na casa de El Morisco, na pequena cidade de Pilares, México. Para ambos os jovens, é um momento de grande aprendizado. Ao retornar ao local, Tex é recebido com grande hostilidade pelos habitantes, e já percebe que a rejeição que a população tem ao Bruxo Mouro é ainda maior. Algo muito grave parece ter acontecido.
O texto de Nolitta, nesta trama, está baseado na constante frustração de Tex, que não tem bases materiais para procurar os sequestradores de seu filho. Confesso que é a primeira vez que vejo uma reunião de tantos reveses negativos para o personagem, especialmente numa base de ação constante, mas dosada com muito cuidado, sem parecer que está “enrolando para entregar o ouro” e sem contrastes incoerentes entre os blocos mais ágeis e os mais plácidos. Para um arco de mais de 600 páginas, é admirável que o autor tenha conseguido manter a nossa atenção o tempo inteiro ativa, primeiro porque consegue sustentar muitíssimo bem a principal linha de investigação, e depois porque as novidades e reviravoltas são colocadas no momento certo, e vão guiando pouco a pouco o grupo de mocinhos até a cova dos criminosos. Não existem momentos atropelados, aqui. Cada uma das partes, especialmente após o encontro de Tex e Morisco com Montales (agora como governador da província de Chihuahua), vai ganhando ares de esperança, pequenas migalhas de pistas para serem seguidas; e se completam com algum tipo de impedimento ou beco sem saída… até que chegamos ao último ato.
Não é a primeira vez que Tex lida com situações sobrenaturais, embora elas não sejam comuns ou a tônica das tramas do personagem, diferente de Zagor, por exemplo. Mas é muito curioso que aqui sejam citados, por um dos antagonistas, os eventos de O Senhor do Abismo, que além da questão política e social em torno de uma liderança tentando obter poder diante de uma população pobre, traz à tona uma ocorrência mística e misteriosa, entre o horror e giallo. Achei incrível a cena em que Tex, Morisco e Montales entram no subterrâneo de uma igreja no deserto e se deparam com um grande número de “maravilhas de outros tempos“, lembrando um pouco a atmosfera de aventuras de Martin Mystère. É um bom caminho para colocar sci-fi ou qualquer outro gênero no mundo de Tex, e tudo envolvendo essa visão de mistérios surge aqui de maneira instigante. A arte de Guglielmo Letteri acaba não tendo muitas variações nos rostos dos personagens com o passar do tempo, mas não diria que isso é algo absurdamente negativo, embora incomode um pouco. Gosto muito dos desenhos de paisagens abertas e de grandes grupos por quadro/página, além das intensas cenas de tiroteio ou qualquer tipo de briga sequencial, que sempre são os destaques em Tex.
Por um lado, Retorno a Pilares fala sobre alguém que usa a religião e a crença de uma população inteira para obter poder político e financeiro (nada muito diferente de inúmeros exemplos que temos hoje em dia, notem bem). Mas é também uma aventura aplaudível no estilo “teste de nervos” para Tex, que é provado das mais diferentes formas, até ser colocado na pista certa dos inimigos. Tenho problemas menores com o ar mais diretamente professoral e a revelação quase gratuita do plano dos antagonistas — embora o roteirista se esforce para fugir da plena exposição, inclusive se dirigindo a isso, na frase “como ele pode fazer parte do grupo, não faz mal eu contar o nosso plano” –, mas não chego a desgostar em nenhum momento dos rumos que a aventura toma. Esta é uma longa história que vale a pena do começo ao fim!
Tex: Retorno a Pilares — Os Homens-Onça (Ritorno a Pilares / Il segreto del Morisco / Gli Uomini Giaguaro / Il dio azteco / Il villaggio dei dannati / Sacrificio umano) — Itália, janeiro a junho de 1993
Roteiro: Guido Nolitta (Sergio Bonelli)
Arte: Guglielmo Letteri
Capas: Aurelio Galleppini
Editora original: Sergio Bonelli Editore
No Brasil (edição lida para esta crítica): Superalmanaque Tex (Formato Italiano) n°5 — setembro de 2022 – Mythos Editora
Tradução: Julio Schneider
628 páginas