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Crítica | For All Mankind – 4X10: Perestroika

Por todos os marcianos.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

Para mim, é costumeiramente uma satisfação imensa quando uma série ou um filme acaba exatamente da maneira que eu acho que deveria acabar. Isso obviamente não quer dizer que a trama foi previsível ou que eu tenha alguma habilidade presciente, mas sim que todas as linhas narrativas convergiram para um desfecho que as atende perfeitamente, amarrando pontas soltas e entregando momentos bem-vindos de catarse e encerramento de arcos de personagens. É isso que Perestroika faz para a 4ª temporada de For All Mankind como, aliás, é costumeiro na série de História Alternativa comandada por Ronald D. Moore, Matt Wolpert e Ben Nedivi.

Entenderei quem achar que o destaque dado à arma encontrada do preâmbulo do episódio passado dois meses antes é exagerado e parece introduzir uma peça nova e conveniente no quebra-cabeças narrativo, mas tenho para mim que essa conexão com o final da temporada anterior foi cuidadosa e bem pensada, dando um excelente fim circular ao que é literalmente a Arma de Tchekhov aqui, já que a pistola encontrada era a que o norte-coreano Lee Jung-Gil usou para se defender de Dani e Grigori Kuznetsov e que Dani, depois de desarmar o astronauta isolado em sua cápsula, enterra em solo marciano, marcando o lugar com aquela chave. O caminho percorrido foi circular, pois o instrumento que, podemos dizer, acabou sendo a conexão que trouxe Lee para o seio do que um dia seria Happy Valley, tornou-se também o instrumento que uniria todos os habitantes da base – opressores e oprimidos – em prol de uma causa, tendo Dani, atingida pela bala disparada, servido de pivô para esse momento.

Afinal, For All Mankind sempre apresentou-se como uma série inspiradora e esperançosa que nunca negou a podridão da Humanidade, mas que a cada temporada tenta, à sua maneira, alterar o curso dos eventos de maneira a salientar o que temos de melhor em meio ao tanto que fazemos de errado. Se Ed é um sujeito egoísta, capaz de usar sua lábia para evitar contar a verdade para sua própria filha, ele é, ao mesmo tempo, alguém que genuinamente se importa por Dani e larga a relativa segurança do “canto” norte-coreano para fazer tudo pela amiga, mesmo que isso eventualmente tenha consequências negativas para ele. O mesmo vale para Dev, um sujeito frio, distante, também egoísta que parte para Marte com o objetivo de transformar o Planeta Vermelho em uma alternativa à Terra e usa o asteroide Cachinhos Dourados para conseguir o que quer.

Sei que comecei pelo fim, mas era inevitável. Afinal, como deixei bem claro, Perestroika faz exatamente aquilo que precisava fazer para encerrar a temporada, com a única real “novidade”, especialmente para quem já tinha esquecido, sendo a arma de Lee, um símbolo de que um instrumento criado para a violência pode levar à paz, algo que ecoa também na decisão de Margo, que influencia Aleida positivamente mais uma vez, de canalizar sua dor causada pela violência feita contra ela e Sergei para algo que funciona ao mesmo tempo como sua vingança pessoal e uma forma de não deixar que o programa espacial bancado pelo M-7 morra com o ganho “fácil” representado pelas riquezas do asteroide. Uma arma disparada em Marte leva à paz em Happy Valley da mesma forma que outra arma disparada na Terra permite que a exploração espacial seja perpetuada.

E o melhor é que toda a luta de classes que, em minha opinião, foi mal trabalhada em Crossing the Line, ganha novo fôlego e significado no final, com os trabalhadores de bastidores, por assim dizer, tomando o protagonismo no conflito com a força policial e, de sua própria forma, fazendo da violência inevitável um instrumento de mudança. Não diria que Perestroika “cura” a forma negativa como a greve foi abordada, mas o episódio parece abrir caminho para uma equalização entre as classes de humanos em Marte, apontando para um futuro mais humano, mais igualitário para todos ali. E não, de forma alguma quero dizer que o objetivo foi criar uma utopia, mas sim, apenas, indicar novos caminhos que podem ser tomados diante de circunstâncias que unem interesses e opiniões, reduzindo a cisma entre grupos variados.

Meu único senão sobre o episódio é a forma como Kelly é esquecida. Se ela, ao lado de Ed, protagonizou uma das melhores cenas da temporada no capítulo anterior, aqui ela basicamente desaparece, não ganhando nenhum espaço minimamente decente para que seu arco narrativo seja encerrado. Vemos isso acontecer com seu pai, com Dani, com Margo, com Aleida e até mesmo com Sam nas ótimas sequências de ação espacial do episódio, mas Kelly Baldwin é deixada em suspensão, realmente esquecida em meio à toda a tensão na forma como o plano de furto do asteroide é executado, quase dá errado e, no final, acaba dando certo pela interferência no literal último segundo de Margo e Aleida. Há espaço até mesmo para a série provocar a Coréia do Norte e seu isolamento do mundo com o contrabando de diversas pessoas – presumivelmente entes queridos dos astronautas daquele país que trabalham em Marte e também presumivelmente uma operação bancada por Dev -, para uma vida melhor em outro planeta, pelo que chega até a ser estranho que a filha de Ed seja colocada no banco de reservas.

Seja como for, Perestroika é mais um belíssimo encerramento de temporada de For All Mankind que acaba levando a história exatamente para o ponto que ela deveria chegar, sem esquecer de fazer o de praxe e nos brindar com um gostinho do próximo momento temporal da saga, ou seja, o ano de 2012, com Dev vivendo em Marte como queria e a Estação Kuznetsov amplamente minerando o asteroide para a obtenção do tão desejado e valioso irídio, o que pode fazer com que os sete anos que separam a quarta da (espero fortemente) vindoura quinta temporada equivalentes a décadas de desenvolvimento tecnológico. Resta só saber se os personagens da velha guarda ainda aparecerão, ou se a série abraçará de verdade a “troca” de gerações.

For All Mankind – 4X10: Perestroika (EUA, 12 de janeiro de 2024)
Criação: Ronald D. Moore, Matt Wolpert, Ben Nedivi
Direção: Sergio Mimica-Gezzan
Roteiro: Matt Wolpert, Ben Nedivi
Elenco: Joel Kinnaman, Wrenn Schmidt, Krys Marshall, Cynthy Wu, Coral Peña, Toby Kebbell, Tyner Rushing, Daniel Stern, Edi Gathegi, Svetlana Efremova, Noah Harpster, Dimiter Marinov, Ezrah Lin
Duração: 76 min.

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