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Crítica | Promethea – Livro 3

Subindo a Árvore da Vida.

por Luiz Santiago
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Não há rodeios quanto à intenção narrativa desse Livro 3 de Promethea. Já nas primeiras páginas do arco, Alan Moore estabelece que Sofia irá fazer a viagem para a qual está estudando há algum tempo. Embora ela reforce um motivo central para isso, nós, leitores, sabemos muito bem que há algo mais (e maior) em jogo. Sofia é uma jovem curiosa e sua versão de Promethea é uma manifestação que incentiva a pesquisa, a busca, a empatia, o contato com o conhecimento. Ela é, como o nome indica, amiga da sabedoria. Ela ficou insatisfeita com o destino de Barbara. Não aceitou o fato de que a amiga, após a morte, não estava num estado de iluminação e paz. Não se sentia completa, sabia que estava faltando algo. O amor de sua vida, o seu criador, não estava onde ela achou que estaria (e notem: uma criatura busca pelo seu amor-criador… assim como nós, humanos, buscamos por Deus, por um… Criador do Universo. Percebem as relações enraizadas em todas as camadas da história?). Sofia sabe que, nessa busca por um amor-criador, Barbara passará por maus bocados, por situações que não está preparada para enfrentar. E ao unir a curiosidade pessoal com a vontade de ajudar alguém, a protagonista anuncia que começará a sua nova viagem, a segunda fase da grande viagem mística iniciada com o aprendizado do tarô e o que ele representa: a jornada da nossa vida ou de qualquer ação/projeto/atitude que temos, do primeiro passo (O Louco) ao encerramento completo do ciclo (O Mundo).

Promethea sabe que embarcará numa jornada através de mundos diferentes, explorando a Árvore da Vida, um sistema cabalístico da tradição mística judaica, organizado hierarquicamente em 10 esferas de manifestação da Vontade Divina, chamadas de sefirot (plural de sefirá). Cada uma das sefirot pode ser interpretada tanto numa base macrocósmica, como estados do todo, do Universo; quanto numa base microcósmica, como estados de consciência, vida e atitudes humanas, no plano físico. Quando tudo começa, Sofia está na sefirá 10 (“Malkhut” ou “O Reino“: a manifestação, concretização e realização física), em outras palavras, o nosso mundo, habitado pelos quatro naipes dos 10, nos arcanos menores do tarô (paus/vontade; ouros/materialidade; espadas/mente; copas/emoções) e pelos quatro Pajens/Princesas dos mesmos naipes (energias que acabaram de ser gestadas e que precisam se desenvolver). Ela inicia a caminhada tomando a Rota 32, representada pelo arcano do Mundo, em direção à sefirá 9, de Yesod (ou “Fundação“: a intuição, imaginação e os alicerces da realidade), regida pela Lua e habitada pelos quatro naipes dos 9, nos arcanos menores do tarô. Aqui ela encontra Caronte, conhece a Casa Flutuante do Rio Styx, tem uma conversa sobre ficção com Luciano de Samósata (escritor romano de origem síria e fala grega), autor de História Verdadeira; e é guiada pelo Barão de Münchhausen até à Estação Ferroviária da Cabala, onde pega um trem para a sefirá 8, Hod (ou “Glória“: o intelecto, comunicação e análise), regida por Mercúrio, passando pela Rota 30, simbolizada pelo belíssimo arcano do Sol.

Aqui nós constatamos que Promethea é realmente o trabalho mais experimental de Alan Moore, e que recebe uma exposição visual primorosa de J.H. Williams III, configurando em cor, padrões internos e estilo artístico a essência de cada uma das sefirot. Toda edição tem um momento de grande destaque, e eu preciso enaltecer a simbologia agregada às seguintes situações: o aglutinamento simbólico das coisas terrenas em Os Campos que Conhecemos (edição #13); tudo o que acontece após Sofia encontrar-se com Barbara, em Rio da Lua (#14); tudo o que acontece a partir do incrível painel da dupla caminhando na Fita de Möbius, em Mercúrio Ascende (#15); a parte final da sequência no Oceano das Emoções, em O Amor e a Lei (#16), e mais especialmente o encontro das duas com o arcano da Morte — aqui, eu não acho o início da edição e do mergulho no Oceano tão geniais assim. E ainda: toda a edição #17 (Ouro), que é uma verdadeira obra-prima, em todos os aspectos artísticos, e minha edição favorita do arco; e tudo o que acontece depois das pazes que a dupla faz com Asmodeus em Vida em Marte (#18) — também não gosto tanto assim do roteiro na primeira parte dessa edição, mas depois, tudo se torna genial. Em todos esses momentos, a precisão nos detalhes, as inúmeras referências estéticas, a criação de atmosferas totalmente distintas e a fluidez de cada uma das narrativas visuais faz da arte dessa série uma das mais sólidas em termos de diagramação e concepção geral para um projeto que, em tudo, é muito difícil de compreender.

Promethea e Barbara estão agora subindo a Árvore da Vida, caminhando do mundo material até algum lugar muito acima das esferas, provavelmente até a sefirá 1, Keter (ou “Coroa“: pureza e energia ilimitadas), habitada pelo quatro naipes dos Ases, nos arcanos menores do tarô; o verdadeiro início de tudo. É um percurso de aprendizado, provações, cura e purificação também. Elas precisam deixar para trás, a cada nova sefirá, as características viciosas e contaminadas vindas da esfera material, a fim de estarem preparadas para assimilar e experimentar as lições dos planos superiores da existência Universal. O que o autor criou nos livros Um e Dois da série é aplicado aqui como ferramenta valiosa nessa vereda mística rumo não apenas à iluminação, mas ao pleno contato com a iluminação, com a alma de tudo o que existiu, existe e existirá. Tem algo mais profundo, instigante e maravilhoso do que isso?

Promethea – Livro 3 (Edições #13 a 18) – EUA, abril de 2001 a fevereiro de 2002
No Brasil (edição lida para esta crítica): Panini (2015 e 2017: volumes um e dois dos encadernados de Promethea)
Roteiro: Alan Moore
Arte: J.H. Williams III
Arte-final: Mick Gray
Cores: Jeromy Cox
Letras: Todd Klein
Capas: J.H. Williams III, José Villarrubia, Mick Gray, Jeromy Cox
Editoria: Scott Dunbier, Kristy Quinn, Neal Pozner
Tradução: Octávio Aragão
144 páginas

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