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Crítica | Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda

Uma análise da 5ª edição deste clássico sociológico, reinterpretado pelo próprio autor numa publicação fruto de crítica genética coesa e séria.

por Leonardo Campos
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Ao lado de Casa Grande e Senzala e Formação do Brasil, de Gilberto Freyre e Caio Prado Jr., respectivamente, Raízes do Brasil, do sociólogo Sergio Buarque de Holanda, forma uma coesa trilogia de interpretações da formação e desenvolvimento do povo brasileiro. São livros basilares da nossa história, mesmo que muitas de suas considerações tenham sido revistas e criticadas por outros pesquisadores da posteridade. É com essa proposta que a Companhia das Letras relançou o clássico dos estudos sociológicos, uma edição volumosa com muitos textos complementares, numa linha de crítica genética que demonstra o quanto a obra foi repensada por seu próprio autor, um pensador que reajustou muitas das ideias desde a primeira versão, publicada em 1936. Do polêmico “homem cordial”, termo interpretado erroneamente por muitos leitores segundo Holanda, ao processo de formação da sociedade brasileira, estruturada no patrimonialismo e na corrupção, Raízes do Brasil é um daqueles livros “essenciais” para quem deseja ampliar os conhecimentos gerais e também aguçar o seu senso crítico, principalmente na época de polarizações partidárias que vivemos, bem como as militâncias em redes sociais, em sua maioria, esvaziadas de compreensão do que se escreve e se questiona.

Nem de longe devemos ler Raízes do Brasil por uma perspectiva totalizadora. Sim, este livro é um clássico, mas não está isento de críticas e questionamentos. Para quem deseja contemplar boas interpretações do material, sugiro conferir A Elite do Atraso, de Jessé de Souza, para melhor entender os pontos em que Sergio Buarque de Holanda ainda pode ser considerado um tanto contraditório em suas reflexões. No entanto, impossível desconsiderar a importância da publicação, norteadora de muitas linhas de pensamento sobre a formação da sociedade brasileira. Este é um livro constante em vestibulares, ENEM, concursos públicos, dentre outros. É aquele tipo de clássico que devemos conhecer, mesmo que seja para contrapor muitas de suas ideias. Baseado num olhar crítico sobre o passado agrário brasileiro, o autor delineia que a democracia no Brasil sempre foi um dos maiores mal-entendidos lamentáveis de nossa sociedade, afinal, importada por uma aristocracia rural e semifeudal, esteve distante da ideal e revolucionária estruturação justa, isto é, de baixo para cima.

O conceito acalorado do homem cordial é um dos pontos altos de Raízes do Brasil. Muitos questionaram como o brasileiro pode ter sido considerado cordial se manteve durante eras o regime escravocrata com desdobramentos ainda no contemporâneo, em nossa sociedade que disfarça a nossa utópica democracia racial, tão violenta e cínica. Diante do conceito é importante ressaltar que ao trazer o termo, que nem foi criado pelo autor, mas popularizado pelo livro, trata de um homem que não é bondoso, mas aquele que diferentemente de ser afável, é movido pelo coração, isto é, carregado pela emotividade que tanto pode ser amorosa quanto odiosa, indo de um extremo ao outros destes sentimentos antagônicos. O popular uso de “inho”, por exemplo, diminutivo afetuoso nas relações cotidianas, é parte da preferência do brasileiro, um povo que aposta nestas terminologias para se familiarizar melhor com coisas e pessoas. Ilustrando em casos práticos, podemos ver as empregadas domésticas de nossa cultura. São costumeiramente tratadas como da família, mas solapadas por interesses escravocratas de seus “patrões” quando os direitos trabalhistas estão numa jogada.

Outro ponto muito reflexivo de Raízes do Brasil é a nossa relação com o patrimonialismo. Trazido das teorias sociológicas de Max Weber, o termo aqui se desdobra na maneira como o brasileiro tem dificuldade em separar a vida pública da esfera privada. Em linhas gerais, o que é de interesse da família e o que é da perspectiva do Estado. Como resultado, temos governos que ao invés de se direcionarem pela racionalidade, se deixam contaminar pelos furtivos interesses pessoais daqueles que se estabelecem nos espaços de poder. Para Sergio Buarque de Holanda, estas são algumas das bases da corrupção em nosso território, acometido por um brasileiro que desde os seus primeiros passos, se interessa em explorar os bens públicos em prol de seus ganhos pessoais. O desvio de verba pública, a nomeação de membros familiares para cargos no bojo da política, dentre outras situações costumeiras e deflagradas pela mídia constantemente são alguns dos casos do problemático patrimonialismo que regem a conduta de muitos em nossa nação, pontos que reforçam o quanto as considerações do autor em diversas nuances são ainda muito valiosas para pensarmos a formação e o status da sociedade brasileira no contemporâneo.

Ademais, mesmo que haja uma “forte veracidade” em muitas de suas afirmações, Raízes do Brasil peca por adentrar na perigosa zona da síndrome do vira-lata, em especial, quando fazemos reflexões dentro de uma perspectiva decolonial. Salvaguardadas as devidas proporções, Sergio Buarque de Holanda diminui o brasileiro ao retratá-lo como não racional, comparando-o com as tendências comportamentais na política dos estadunidenses, por exemplo, algo visto como problemático ao se estabelecer de maneira categórica. Para isso, caro leitor, basta separarmos criticamente as coisas e se deixar levar pela leitura do clássico, selecionando aquilo que nós também podemos questionar, afinal, posicionamento crítico não deve ser algo apenas para militantes da ordem política e social ou pesquisadores que, muitas vezes, mantém as suas reflexões acorrentadas nos altos muros das universidades, sem conseguir transpor os dados colhidos cientificamente para a sociedade em geral compreendê-los. Nesta edição organizada por Lilia Moritz Schwarcz e Pedro Meira Monteiro, temos as devidas correções não apenas de interpretadores, mas do próprio autor, relendo a si mesmo e se corrigindo, publicação que ao longo de suas 520 páginas, nos entrega uma leitura fluente, mesmo que complexa.

Raízes do Brasil (Brasil, 1936)
Autoria: Sergio Buarque de Holanda
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 520

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