Home Diversos Crítica | Doctor Who: A Imperatriz Escarlate, de Paul Magrs

Crítica | Doctor Who: A Imperatriz Escarlate, de Paul Magrs

Fantasia e ficção científica de mãos dadas.

por Luiz Santiago
1,3K views

Equipe: 8º Doutor, Sam, Iris Wildthyme
Espaço: Planeta Hyspero
Tempo: Era Abássida, 3ª Década (por volta do ano 9968 no calendário gregoriano)

O nome deste livro é uma homenagem ao filme A Imperatriz Vermelha (The Scarlet Empress, no original), obra de 1934 dirigida por Josef von Sternberg e estrelada por Marlene Dietrich, atriz cuja presença impactante e magnetismo fazem total sentido com a relação que o escritor Paul Magrs quis fazer com sua maravilhosa Iris Wildthyme — e isso desde a criação da personagem, em Old Flames. Protagonizada pelo 8º Doutor, A Imperatriz Escarlate é uma das melhores narrativas que eu já tive o prazer de ler no Universo Expandido de Doctor Who, e acreditem: isso significa muita coisa. Não raramente, nas obras literárias da série, existe uma preocupação dos escritores em fornecer algo canônico que se alinhe a certos ambientes e possibilidades que temos na televisão, de modo que muitos enredos terminam ficando pobres devido a algo que costumo chamar de “falta de coragem para usar a imaginação“. No caso de Paul Magrs, ao menos neste livro, “usar a imaginação” definitivamente não foi um problema.

Ambientado no Planeta Hyspero, que fica no limite do Universo, em uma área conhecida como “Penumbra da Porção Última da Galáxia”, o livro reúne uma quantidade muito grande de referências folclóricas, metalinguísticas, literárias e de cultura pop, o que imediatamente faz com que a história tenha peso dramático e o texto não precise passar um tempo enorme “desenvolvendo sofregamente” a personalidade de Sam — uma espécie de armadilha recorrente para essa companion. Gosto muito da forma como a jovem é trabalhada aqui; como sua inteligência, dúvidas, honestidade e vontade de fazer as coisas certas têm um lugar na história e não muda essencialmente quem ela é apenas para encaixá-la na maluquice meio RPG, meio mistura proposital de As Mil e Uma Noites, O Mágico de OzAlice no País das Maravilhas que é o livro. Uma coisa, porém, é importante destacar: Sam está bem diferente. Ela não tem algumas das características chatinhas, firmadas em Os Oito Doutores, e nem faz perguntas estúpidas apenas para servir de “voz do leitor que nada entende“. Ao contrário. Aqui, ela tem independência e até fala, num hilário diálogo mental com criaturas marinhas telepáticas, sobre os sentimentos amorosos que, pouco a pouco, nutria pelo Doutor.

A construção de Universo em A Imperatriz Escarlate é realmente similar a de um RPG. Eu adoro a feira onde tudo começa, com Sam considerando diversas conversas com o Doutor e ele simplesmente aproveitando para fazer compras de produtos e bugigangas das milhares de espécies encontradas no local. Parece que estamos visualizando um cenário criado por Jean-Claude Mézières em Valérian e Laureline! A riqueza de detalhes, no início, é uma boa escolha do autor para nos acostumar com a miríade de criaturas e ambientes (em terra, água e ar) que teríamos pela frente, e também com seu estilo de ação sem muitas “respostas detalhadas para tudo“. Eu não me incomodo com elementos misteriosos acontecendo numa história que não cobra muitas respostas. E não é como se Magrs usasse o recurso barato de “é fantasia, então eu posso fazer qualquer coisa e não explicar nada“. Não. Em vez disso, o autor escolhe que tipo de poder, situação, transformação ou condição política (como a que envolve a Imperatriz Escarlate, por exemplo) pode figurar sem muitos detalhes. Isso corta muito tempo de explicações desnecessárias para coisas que ninguém dá a mínima importância e que não interferem em nada na história, como vemos aos montes em livros de ficção científica por aí.

O curioso é que o volume não tem exatamente um problema central… externo aos personagens. A trama gira, na verdade, em torno de Iris, que basicamente está morrendo, mas não conta isso imediatamente para o Doutor. Sua apresentação, sendo atacada por cães, é intensa e dá o “chamado para a ação” do livro. É por causa dela que conhecemos, logo a seguir, personagens como Gila (em estado de transformação completa para crocodilo), Duquesa Aranha, Duquesa Ciborgue, Tartaruga Falsa, Mulher Barbada e Nossa Senhora das Flores, isso só para citar alguns dos mais icônicos. Na busca pelo “gel” para curar Iris, entendemos e vivemos as consequências do acordo dela com a atual Imperatriz Escarlate e como isso envolve Cassandra, a primeira imperatriz. O contexto político, no entanto, não é — e não se propõe a ser — profundo. É apenas um braço da trama que, no fim das contas, classifica-se como uma espionagem de aventura, num cenário de fantasia, mergulhada em sci-fi.

Há uma sugestão, ao final do volume, de que Iris se regenera em um corpo semelhante ao da personagem Barbarella, de Jane Fonda (informações mais precisas sobre as encarnações da personagem vocês podem ver na minha crítica para o conto Perplexidade e Devoção), e é essa mesma encarnação que volta a encontrar-se com o 8º Doutor em outro livro que referencia um filme com Dietrich: O Anjo Azul. Na minha cabeça, porém, Iris sempre tem a personalidade, a voz e o rosto de Katy Manning. A Imperatriz Escarlate é uma aventura que estabelece com perfeição uma complexa personagem e consegue fazer com que ela ganhe corpo ao ser embebida em mistérios, inclusive aproximando-se conceitualmente do Doutor. A hilária cena em que ela cita “aventuras suas” comentando eventos que se assemelham aos de Dalek Invasion of Earth, Tomb of the Cybermen, Carnival of Monsters e Planet of Spiders me arrancaram boas gargalhadas, especialmente porque o Doutor fica indignado com o “roubo” de suas memórias. Cheio de boas surpresas, leve e muito direto em tudo o que propõe (para alguns gostos, talvez seja um pouco lento na resolução do caso da Imperatriz), este livro é bem diferente daquilo que estamos acostumados a ler em Doctor Who. Uma história interessante em todos os sentidos do termo. 

Doctor Who: A Imperatriz Escarlate (The Scarlet Empress) — Reino Unido, 7 de setembro de 1998
BBC Eighth Doctor Adventures #15
Autor: Paul Magrs
285 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais