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Crítica | Saltburn (2023)

Jogo de sedução.

por Felipe Oliveira
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Embora tenha uma interessante filmografia como atriz, o trabalho de Emerald Fennell como roteirista na segunda temporada de Killing Eve foi o suficiente para colocá-la na esteira do hype; e não demorou muito para isso assumir um status no cinema, graças ao controverso trabalho de estreia como escritora e diretora em um filme com Bela Vingança. Apresentando seu segundo longa, Fennell mais uma vez utiliza a linha da provocação, fazendo do marketing de Saltburn um prato queer tentador, pronto para ser consumido enquanto esconde a real natureza do seu novo projeto. E a cineasta sabe muito bem como capturar essa atenção quando os frames sugestivos do romance homoerótico que marcaram a divulgação são resumidos em um compilado como demonstração da história que será contada em flashback para o telespectador curioso.

Se em Promising Young Woman Fennell usava do didatismo para então generalizar os tópicos de sua temática, em Saltburn, falta essa diligência uma vez que a diretora quer manter o público numa espécie de fábula, com ares de um conto gótico antes de subverter as expectativas com reviravoltas. Mesmo para quem já tenha conferido o italiano Teorema ou a categórica adaptação de O Talentoso Ripley vai ser seduzido por essa trama que passeia em vários estilos e insinua ser autoral. Mas até nos seus traços mais implícitos Saltburn carrega um pouco de Segundas Intenções ao flertar com a dinâmica manipuladora e sádica dos personagens brigando pela conquista de poder em um mundo alienado.

Longe de querer tecer um comentário social sobre privilégios, Fennell utiliza o pomposo cenário da inalcançável mansão na região de Saltburn como base para refletir a busca pelo ideal e conflitos de não-pertencimento de seu protagonista, Oliver, vivido por Barry Keoghan, sendo esse anseio personificado na figura do popular Felix (Jacob Elordi). É interessante observar como a cineasta procura disfarçar as reais intenções do roteiro com falsas dicas; primeiro, as coincidências com cara de comédia romântica nos contatos iniciais de Oliver e Felix – o que funciona por manter o personagem de Keoghan sempre numa linha inocente e pura à aristocracia que emana da família Cotton -, depois, uma comédia de humor ácido pelo cinismo que apresenta o clima excêntrico dessa realeza britânica dos anos 2000.

A cena que Oliver chega em Saltburn e conhece o grupo que integra a mansão é uma ótima ilustração do retrato caricato que Fennell faz da aristocracia – os diálogos maldosos e desconcertantes, a alienação – e ela fecha esse recorte com a caracterização extravagante de Pamela, participação especial de Carey Mulligan. Parece cedo, mas Mulligan faz pensar que a cineasta já está começando a criar um padrão para seus trabalhos, escalando um elenco chamativo para uma história provocante. E apesar da escrita não ser tão bem amarrada, ao menos na direção, Fennell apresenta um estilo ao propor elementos atemporais e trechos que acenam para a cultura pop – como o momento musical com o karaokê – além da narrativa com ares de videoclipes, aspecto que remete bastante a Bela Vingança.

Por se passar em 2007, ano de Harry Potter e Crepúsculo em alta, Fennell deixa como referência da época a preferência de leitura dos personagens com o livro de Relíquias da Morte – novamente, a cineasta faz um “thriller” com toques para a cultura pop, ou foi coincidência a fantasia do protagonista ser de um cervo? – e se Promising Young Woman ela emulou a comédia romântica, o slasher e os suspenses sensuais da década de 90, em Saltburn, a linguagem visual conversa com os contos góticos, característica reforçada pela forte fotografia de Linus Sandgren. E mesmo que se tenha uma obviedade quanto às subversões que quer empregar – principalmente no desfecho escancarado – Emerald Fennell presta repulsa e morbidez ao entregar um exagero que sempre supera os atos manipuladores e sádicos de Oliver – como ao emular o orgástico momento de Jude Law e Matt Damon na banheira no filme de Anthony Minghella com um retrato de desejo muito mais inalcançável, também numa banheira.

A famosa frase de William Shakespeare em MacbethEstrelas, escondam o seu brilho; não permitam que a luz veja meus profundos desejos sombrios” define bastante a trajetória corruptiva e fria de Oliver em atingir seu ideal, finalmente pertencendo e possuindo um poder – tendo em vista como as cena de vampirismo, a demonstração de luto na cova, a masturbação e a dança de triunfo foram feitas com um jogo de luz e sombra, mantendo a dualidade da falsa inocência e perversidade do personagem.  Porém, nessa dinâmica de disfarçar reviravoltas, e estruturar o andamento da trama em clipes, Fennell faz o importante jogo de sedução e manipulação não ser sentido, e sim, soar como um drama desconexo que mais se perde emulando outras histórias com uma estética bonita, resultando em um “novo clássico” sem substância.

Saltburn (Saltburn – EUA, 2023)
Direção: Emerald Fennell
Roteiro: Emerald Fennell
Elenco: Barry Keoghan, Jacob Elordi, Archie Madekwe, Alison Oliver, Rosamund Pike, Richard E. Grant, Reece Shearsmith, Carey Mulligan
Duração: 131 min.

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