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Crítica | Suor, de Jorge Amado

Um romance que reflete a luta proletária com uma estética semelhante ao naturalismo literário.

por Leonardo Campos
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Escritor de fases, Jorge Amado atravessou o século XX com uma produção constante, demarcando em suas composições aquilo que chamamos de invenção da nacionalidade brasileira. Em suas histórias, modos e costumes do nosso povo foram destacados, numa mescla de realidade e ficção que tornou a sua obra única na formatação de uma imagem do país para o público estrangeiro. Em Suor, publicado em 1934, o baiano ainda em desenvolvimento de um estilo nos entrega uma história impactante, mesmo que ainda imatura quando comparada ao processo de estruturação literário que envolve tempo, espaço e personagens. No romance, não temos uma história única, mas várias narrativas curtas de um panorâmico cenário, o prédio 68, lugar por onde as múltiplas existências se cruzam, todas elas, a compartilhar do mesmo ocaso social que ainda demonstra a atualidade do que contemplamos em cada uma das páginas do livro. Situado na Ladeira do Pelourinho, o prédio em questão é um verdadeiro enxame: tem em média 600 pessoas, divididas entre 116 quartos, um caldeirão cultural com muitos sonhos, batalhas envolvendo pessoas em situação de miséria absoluta.

Em Suor, algo comum no âmbito da composição literária de qualquer escritor se estabelece: vida e obra se misturam, numa mixagem de referências em descrições ainda mais aprofundadas, haja vista a experiência de Jorge Amado nos idos de 1928. Nesta época, ele morou num pequeno cômodo, situado em um dos sobrados do Pelourinho, lugar que lhe serviu de inspiração para o desenvolvimento desta que é uma de suas mais angustiantes histórias acopladas nesta que é considerada a primeira fase de sua panorâmica obra, a era do romance proletário. A convivência com os tipos sociais e as situações diversas o inspirou a compor a tessitura do livro, um relato sobre indivíduos acometidos pela lógica do lucro de um sistema capitalista que oprime e subjuga, numa demonstração do quanto os personagens batalham pela sobrevivência no prédio 68, local que serve de cenário para uma história sobre conscientização política numa realidade de salários miseráveis, habitações em condições insalubres e alimentação parca. As descrições, praticamente cinematográficas, são surpreendentemente assustadoras, como no trecho em que o narrador delineia que “os ratos passavam, sem nenhum sinal de medo, entre os homens parados ao pé da escada escura”. Este é um dos trechos que pode ser considerado a metonímia da publicação, uma história sobre criaturas tentando viver em condições absurdamente caóticas, sem acesso ao básico de saúde e qualquer outro Direito Humano.

Como é habitual na estruturação dos romances de Jorge Amado, Suor traz um amplo painel de histórias, com subtramas e personagens marcantes, alguns mais proeminentes, outros mais discretos. Dona Risoleta e sua afilhada Linda foram as que mais se destacaram em minha leitura, talvez pela história bruta de acesso ao poder por meio da educação e a retirada desse lugar para alcance de uma luta por dignidade. Acometida por uma doença inesperada, a senhora assiste a si mesma se degradando, enquanto observa os ideais da jovem adentrando numa zona de risco, mesmo que politicamente engrandecedora. As demais figuras ficcionais são típicas do universo amadiano: o Sapateiro Espanhol, um homem que arremessa pedras na tela do cinema depois que um filme hollywoodiano que assiste critica atos revolucionários russos; Vermelho, Chico e Henrique, o último, o de maior destaque, trabalhadores negros braçais; Fernandez, o dono do boteco; a surda Sebastiana, costumeiramente aliviada e aos risos quando testemunha a miséria alheia; Cabaça, mendigo que cria um rato de proporções gigantescas, alimentado por acarajé diariamente; Toufik, o árabe maníaco por higiene; Artur, propagandista que perdeu os braços em seu trabalho na fábrica, no romance em situação de miséria.

Estes são alguns dos tantos tipos que pavimentam a história. Com elementos característicos da estética naturalista na literatura, em especial, por suas associações comparativas com o clássico O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, o romance Suor é o terceiro livro de Jorge Amado, um escritor na época com presença ainda recente no âmbito da produção brasileira. Ao longo de suas 200 páginas, podemos contemplar descrições detalhistas dos ambientes inóspitos por onde os personagens atravessam, num material com amplo potencial para o cinema e as demais artes visuais. Nos choca, ainda hoje, perceber que por mais que haja uma utopia política por detrás do discurso do autor baiano, na ocasião, apaixonado e vinculado aos ideais comunistas, o romance é um retrato de determinado Brasil do contemporâneo, aquele da pobreza extrema e das pessoas em situação de fome e miséria, sem direito ao pleno acesso à cidadania, alijados diante da tenebrosa e constante desigualdade social que nos norteia.

No geral, um livro muito “poético” em sua análise de temas e situações tão imundas.

Suor (Brasil) — 1934
Autor: Jorge Amado
Editora: Companhia das Letras
160 páginas

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