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Crítica | Albion

Homenageando personagens esquecidos.

por Ritter Fan
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Se eu pudesse escolher minha característica favorita do conjunto da obra de Alan Moore, diria que ela é sua inigualável capacidade de ressuscitar interesse sobre personagens “esquecidos”, sejam eles dos quadrinhos ou de outras mídias. Foi assim com o Monstro do Pântano e com Miracleman, que ele repaginou quase que completamente, com Watchmen em que ele transformou personagens da Charlton Comics em criações próprias já que a DC acabou não autorizando o uso deles, com A Liga Extraordinária em que ele concebeu uma Liga da Justiça Vitoriana com personagens literários clássicos, com Lost Girls em que ele espertamente pegou três personagens femininas também da literatura para costurar seu inusitado soft porn e foi assim também com Albion, certamente sua menos conhecida criação dessa “categoria”.

E Albion é razoavelmente desconhecida, em essência, pela combinação de dois fatores. O primeiro é que seu material base, ou seja, personagens dos quadrinhos britânicos publicados nos anos 60 e 70 e, depois, descontinuados, não tem apelo para além das fronteiras inglesas (e mesmo assim de uma certa geração de britânicos) e exige um conhecimento profundo de HQs que poucos têm no ocidente. O segundo é que, mesmo tendo sido publicado pelo selo Wildstorm, da DC Comics, a minissérie em seis edições lançada entre 2005 e 2006 e, depois, colecionada em um volume só, teve pouquíssima divulgação. O fato de Alan Moore, apesar de seu nome aparecer em destaque na capa, não ser o roteirista, pode ter contribuído para isso também, ainda que eu acredite que não. Afinal, ele foi o argumentista e estava preparado para escrever os roteiros, mas teve que abrir mão da tarefa em razão de suas obrigações com outra editora, fazendo com que ele deixasse o trabalho para sua filha Leah Moore que co-escreveu o texto com John Repion.

Fazendo um paralelo com uma história mais conhecida de leitores de quadrinhos, Albion faz para personagens britânicos como Charlie Peace (baseado em um criminoso vitoriano de mesmo nome), Robot Archie, Captain Hurricane, The Spider e muitos outros, o que a Marvel Comics fez para o Capitão América com Os Vingadores #4, de março de 1964. O bandeiroso, que fez enorme sucesso na década de 40, havia sido descontinuado na década seguinte (ainda que reaparecendo aqui e ali), tendo seu sumiço dentro de sua história explicado de maneira retroativa na referida edição dos Vingadores. Moore (o Alan) criou a mesma premissa, só que mais sombria, para explicar o porquê de os heróis (e vilões) de priscas eras terem desaparecido da Inglaterra, a ponto de se tornarem “personagens de quadrinhos”, com a história lidando com a investigação do inveterado leitor de quadrinhos Danny ao lado de Penny Dolmann sobre o assunto que os leva a uma prisão altamente tecnológica em um castelo medieval onde todos estão presos das mais diversas maneiras.

Leah Moore e John Repion, com base nesse argumento, conseguiram inserir um número impressionante de personagens e referências que explicam com eficiência o porquê do sumiço dos personagens, com alguns deles vivendo escondidos e outros, como o robô da imagem de destaque, tornando-se um “manequim” que enfeita uma boate underground. Quem, como eu, nunca leu as HQs em forma de antologia Smash!, Valiant e Lion, terão uma luta morro acima para fazer tudo funcionar bem, o que, no meu caso, exigiu breves pesquisas sobre os personagens, ainda que a edição encadernada que li facilite esse trabalho ao reunir algumas histórias dessas publicações antigas ao final, em um apêndice instrutivo. Da mesma forma, Moore (a filha) e Repion usam o artificio que Moore (o pai) usara antes em Supremo e Tom Strong, que são flashbacks nos estilos narrativo e visual dos respectivos personagens, o que facilita a conexão do leitor com esse passado “desconhecido”.

A arte principal – ou seja, toda ela, com exceção dos referidos flashbacks – ficou ao encargo de Shane Oakley, que, com a finalização de George Freeman, conseguiu impor uma qualidade neo noir à narrativa que combina muito bem com o espírito investigativo da história e toda a conspiração do governo britânico – com conhecimento e ajuda do americano – para eliminar os heróis e vilões do passado e “limpar” o país e, ao mesmo tempo, aproveitar-se da tecnologia e biologia deles. As cores de tons escuros, com muito marrom e preto, pela “entidade” Wildstorm FX ajudam a compor essa ideia de uma trama pesada que está em andamento há décadas.

Albion, porém, não é uma HQ inesquecível como diversas outras que levam a “marca” de Alan Moore. Sabendo do hermetismo e, portanto, pouco apelo dos personagens base, a narrativa é repleta de artifícios para atualizar o leitor sobre os respectivos passados, o que acaba fazendo com que a trama se arraste um pouco, especialmente se o leitor que porventura não conhecer as citações e referências não parar para respirar e escavar um pouco para conhecer de maneira independente esse passado das publicações britânicas. Mesmo assim, o resultado é uma obra de valor para o resgate dessas criações dos anos 60 e 70 e preservação da memória delas para gerações futuras e uma divertida história que pode levar ao garimpo e descoberta – e, em alguns casos, redescoberta – de pequenos e esquecidos tesouros de outra época e de outro lugar.

Albion (Idem – Reino Unido, 2005/06)
Contendo: Albion #1 a 6
Argumento: Alan Moore
Roteiro: Leah Moore, John Repion
Arte: Shane Oakley
Arte-final: George Freeman
Cores: Wildstorm FX
Letras: Todd Klein
Editora: WildStorm (DC Comics)
Datas originais de publicação: agosto, outubro, dezembro de 2005; junho, julho e novembro de 2006
Páginas: 176

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