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Crítica | Caixa de Pandora: Como a Coragem, a Astúcia e a Ganância Derrubaram a TV

Não é jornalismo, é fofocagem.

por Ritter Fan
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O historiador cinematográfico e crítico cultural Peter Biskind já escreveu muito sobre o Cinema, seja seu livro mais importante e famosos, Easy Riders, Raging Bulls, que teve seu subtítulo Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n’roll Salvou Hollywood usado como título em sua publicação no Brasil, ou suas várias obras sobre gêneros cinematográficos, estrelas de Hollywood e a ascensão dos filmes independentes nos EUA. Caixa de Pandora, porém, marca a primeira vez em que ele sai de seu metiê específico e tenta abordar a televisão americana, mais especificamente as mudanças ocorridas com o advento da TV a cabo com conteúdo próprio até o surgimento e consolidação do streaming.

Cabe um parêntese aqui, pois, como o livro não foi publicado no Brasil quando da redação da presente crítica, fiz a minha tradução do subtítulo original, que é How Guts, Guile, and Greed Upended TV. Há que se prestar atenção em “derrubaram”, palavra que escolhi para traduzir “upended“, pois há diversas outras traduções possíveis, inclusive positivas, como “reformaram”, “transformaram” ou até mesmo “revolucionaram”. Mais literalmente ainda, “upend” é “colocar de cabeça para baixo”, pelo que é natural haver conotações positivas e negativas para a palavra. No entanto, usei “derrubar” (cheguei a pensar em “destruir”…) porque Biskind no próprio subtítulo, ao usar “ganância” parece emprestar uma conotação negativa e, em seu texto jornalístico, passa constantemente a impressão de que a TV, apesar de ter se metamorfoseado radicalmente desde que era transmitida somente “pelo ar”, continua ainda contaminada por executivos que não sabem o que quer e por progressos efêmeros.

O que ele escreve já foi escrito antes por autores como Brett Martin e seu Homens Difíceis: Os Bastidores do Processo Criativo de Breaking Bad, Família Soprano, Mad Men e Outras Séries Revolucionárias, ou seja, é uma amálgama de História da TV, começando pela HBO, claro, com comentários sobre séries chave que trouxeram efetivamente uma revolução na forma de contar história em capítulos na televisão, uma quantidade grande de fofocas de bastidores em que aprendemos aquilo que todo mundo já sabe, que esse mundo é de homens brancos que se protegem mutuamente, excluindo ou dificultando a vida daqueles que trazem inovação e, estranhamente, comentários críticos sobre as obras comentadas no contexto geral da evolução televisiva. E, claro, ele avança para além da TV a cabo chegando finalmente ao streaming na parte final, com foco especial no Netflix.

É apenas nessa terceira parte do livro que Biskind realmente traz algo ainda pouco explorado pela literatura do gênero, mas diria que ele dedica relativamente pouco espaço para o streaming e o que ela a oferta e produção de obras por esses canais causou para a TV em geral, seja a tradicional, seja a cabo. O que ele em última análise quer mostrar é que o conteúdo pode até ter mudado, mas que as pessoas por trás – sejam criativos, sejam executivos – continuam basicamente os mesmos, só que com outro nomes. É um mundo acastelado e protegido por barreiras inicialmente abaixadas, mas que, não demoraram, e foram levantadas novamente, em uma espécie de repetição cíclica, já que ele acusa a HBO e outras empresas que surgiram no cabo, como AMC e Showtime, exatamente da mesma coisa: vale tudo no começo, mas, quando o dinheiro realmente começa a entrar, o controle passa a ser mais rígido, até realmente a tornar os ambientes muito pouco convidativos para novas criações.

Biskind, apesar de dividir bem seu livro, demora a chegar ao ponto que deseja estabelecer com sua pesquisa e acaba ficando perdido em uma variedade de abordagens que não funcionam muito bem juntas, o que faz com que seu objetivo passe a ser difuso, desfocado e estrangulado por repetições de material pré-existente das mais diversas fontes. Não é de forma alguma uma leitura ruim, pois o autor, como de hábito, escreve muito bem, mas ele parece chegar à TV tarde demais, sem saber oferecer algo mais completo e amplo ao leitor do que uma história feita de anedotas de bastidores com curiosidades sobre as mais famosas séries modernas e seus autores que, quando chega no streaming propriamente dito, já disse o que tinha que dizer, o que a faz andar em círculos.

Caixa de Pandora, portanto, é um livro mais recomendado a quem nunca leu nada sobre a História da TV Americana e quer algo de consumo fácil e rápido. É um “animal” bem diferente das obras mais importantes de Biskind sobre o cinema de seu país, porém, e, para quem já as leu, a diferença de enfoque é abissal, quase frustrante. Quem sabe se, em uma eventual segunda tentativa por esse universo, Peter Biskind não acerta na mosca?

Caixa de Pandora: Como a Coragem, a Astúcia e a Ganância Derrubaram a TV (Pandora’s Box: How Guts, Guile, and Greed Upended TV – EUA, 2023)
Autor: Peter Biskind
Editora: William Morrow
Data original de publicação: 07 de novembro de 2023
Páginas: 400

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